Crime de racismo em Alagoas tem só uma condenação em 3 anos

O crime de racismo acontece com muito mais frequência do que o judiciário toma conhecimento. A opinião é do juiz da 14ª Vara Criminal da Capital, Ygor Vieira Figueiredo, que contou para a Tribuna Independente que apenas uma pessoa julgada por esse tipo de crime foi condenada em 2021. De acordo com o Tribunal de Justiça de Alagoas, entre 2019, 2020 e 2021, este foi o único caso com desfecho.

“São poucos os casos de racismo que chegam até a Justiça. Penso que as vítimas desses crimes não se sintam amparadas e por isso não têm a segurança de levar os casos para o conhecimento das autoridades. É que o preconceito já está tão entranhado na sociedade que muitos consideram esse comportamento normal”, opinou o magistrado.

O juiz explica que, como titular da 14ª Vara, ele é competente para julgar processos de crimes contra vulneráveis como crianças e adolescentes, idosos, deficientes e população LGBTQIA+. “De forma que os crimes de racismo, quando são praticados, seja contra a equiparação da população LGBTQIA+, seja propriamente pela cor da pele, eles são destinados a 14ª vara na qualidade de pessoas vulneráveis”, explica.

Entre os crimes julgados pelo juiz Ygor Vieira estão o da mulher trans que foi proibida de usar o banheiro feminino de um shopping localizado na parte alta de Maceió. No início de junho do ano passado, Justiça de Alagoas condenou por racismo o segurança que impediu a mulher trans, Lanna Hellen, de usar o banheiro feminino no Shopping Pátio, localizado na Cidade Universitária, em Maceió.

Na decisão, o juiz Ygor Vieira de Figueiredo condenou o segurança por racismo com pena de um ano e seis meses, que foi convertida em prestação de serviços comunitários de seis horas por semana – pelo mesmo período – e ao pagamento de 10 salários mínimos para ser destinado a um grupo ou organização não governamental de Alagoas que atue em favor da comunidade LGBTQI+.

Para a condenação de racismo, o magistrado teve como base a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019 que permitiu a criminalização da homofobia e da transfobia. O STF considerou que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser enquadrados no crime de racismo.

O magistrado julga ainda o caso do pastor alagoano que, supostamente, desejou a morte do ator Paulo Gustavo em postagem publicada na internet.

Segundo levantamento da Diretoria de Comunicação (Dicom) do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), atualmente existem 14 processos de crimes de racismo em tramitação aqui no estado.

“Além desses crimes de racismo, propriamente dito, chegam à Vara com uma frequência um pouco maior, processos do que chamamos de injúria racial, que está previsto no Artigo 140, parágrafo terceiro, do Código Penal, que é quando alguém injuria uma pessoa, usando cor de pele, orientação sexual e idade”, conta Ygor Vieira.

Em 2020 o TJ/AL criou a Comissão de Direitos Humanos, que é presidida pelo desembargador Tutmés Airan, para, segundo Ygor Vieira, combater com mais afinco a questão do racismo estrutural e do preconceito.

“O fato é que a gente tenta dar uma movimentação mais célere possível a esses processos, mas a realidade é que chegam poucos ao nosso conhecimento. Acredito eu, não porque acontece poucos fatos como esses, afinal de contas, o racismo está efetivamente estruturado na nossa sociedade. E justamente por esse racismo ser estrutural é que as pessoas não se sentem à vontade para denunciar esse tipo de crime, e acabam naturalizando esse tipo de conduta”, opina o magistrado.

Ygor Vieira contou ainda que em Alagoas já foi criada a Delegacia de Proteção aos Vulneráveis, que ainda não foi instalada, mas o projeto já existe. “Acredito que o governador esteja esperando o aumento do efetivo, que virá com o novo concurso público. A delegacia contribuirá para que mais crimes de racismo sejam denunciados e, consequentemente, julgados”, informou.

Em 2 meses, OAB/AL recebeu 7 denúncias pelo crime

A presidente da Comissão da Promoção de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB/AL), a advogada Ana Clara Alves, contou para a Tribuna Independente que em dois meses de atuação, a comissão já recebeu sete denúncias de crimes de racismo, injúria racial e intolerância religiosa.

“Os números são expressivos, mas entendemos que existem muitos casos de subnotificação, visto que o assunto ainda é diariamente invisibilizado. Nosso papel, enquanto comissão de Promoção de Igualdade Racial, é proporcionar segurança jurídica às vítimas e principalmente conscientização da sociedade. Alagoas, estado com grande arcabouço cultural quando se trata da população negra, ainda apresenta tabus quando o assunto é racismo. Nosso estado apresenta elevados índices que vão desde a taxa de mortalidade de pessoas negras até a violência doméstica”, explicou Ana Clara.

Ela explica que a Comissão de Promoção de Igualdade Racial foi criada pela OAB na atual gestão, tendo em vista que a comissão passada englobava todos além da questão racial, direitos sociais em geral.

“As vítimas quando procuram a comissão da OAB recebem o direcionamento especializado sobre o caso, sendo papel da comissão acompanhar todo o processo jurídico até sua resolução efetiva. Acerca dos casos apresentados, ainda estão em trâmite, seja por via judicial ou administrativa”, conta.

Ana Clara destaca que para entrar em contato com a comissão, as vítimas desse tipo de crime podem entrar em contato com a comissão por qualquer canal de atendimento telefônico da OAB/AL ou também dirigindo-se presencialmente até a instituição, momento em que os integrantes irão realizar o atendimento e acompanhamento cabível ao caso.

A advogada e membro da Comissão da Promoção de Igualdade Racial da OAB/AL, Emilly Vieira, reforça que muitos casos de racismo não são denunciados. “Sem dúvidas a maioria dos casos de racismo não é denunciada. Muito pelo sentimento de que ‘não vai dar em nada’, como outras nuances que somam a isso, como por exemplo, provar que foi vítima do crime. Nesse rumo, ao meu ver, é uma luta diária e antiga pra reverter essa situação”, opina.

População negra ainda tem desconhecimento da legislação

Pedro Gomes é advogado do Instituto do Negro de Alagoas e secretário adjunto da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB/AL). Ele comenta que somente com a publicização e a correta punição, é que os crimes de racismo serão cada vez mais denunciados. “Isso dará uma sensação de segurança, de que a lei está sendo cumprida e, quem pensar em cometer esse crime, vai pensar duas vezes”, opina.

Para o advogado, as vítimas sentem receio de denunciar por falta de conhecimento da lei. “A falta de conhecimento, do aparelhamento da polícia, de técnicas de investigação e de estrutura para receber essas vítimas. Tudo isso acarreta no receio de denunciar o racismo”, opina.

Ele destaca a relação de poder entre brancos e pretos dentro da sociedade alagoana como agravante para o medo de denunciar. “O racismo vem se perpetuando na sociedade alagoana em função da própria relação de poder que as pessoas brancas exercem sobre as pessoas pretas. É só olhar na Ponta Verde [bairro nobre de Maceió] e comparar quantos pretos você vê passeando tranquilamente pela orla, indo ao Palato ou grandes restaurantes. Essa relação de poder faz com que essas vítimas de crimes raciais sintam temor, medo de perder o emprego, de serem agredidas na rua, de serem prejudicadas de alguma forma. Isso prejudica as investigações e uma correta codificação dos crimes raciais em Alagoas”, afirma.

DIFICULDADES NA CÂMARA

O Instituto do Negro de Alagoas, junto com outras entidades do movimento negro de Alagoas, elaborou um projeto de lei que cumprisse o que é determinado pelo Estatuto da Igualdade Racial desde 2010, que é a instituição de cotas raciais em concursos públicos.

“Apesar de existir a determinação desde 2010, nem Maceió, nem o Estado de Alagoas criaram a lei. Sendo assim, no início de 2021 iniciamos as conversas e conseguimos protocolar o PL [Projeto de Lei] de Cotas por intermédio da vereadora Teca Nelma [PSDB]. Além dela, tentamos o diálogo com todos os vereadores da casa, e fomos atendidos por quase todos eles. Conseguimos a assinatura de 14 vereadores concordando com o mérito do projeto e nos prometendo o apoio. Neste tempo, o PL teve a tramitação mais longa desta legislatura, passando por 4 comissões distintas na casa e sendo objeto de um amplo debate em cada uma delas”, explica Pedro Gomes, advogado do Instituto do Negro de Alagoas e secretário adjunto da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AL.

Ele conta que desde novembro do ano passado, o PL está pronto para ser votado em plenário, porém sempre que entra na ordem do dia, algum vereador pede vistas.

“Primeiramente, foi o vereador Leonardo Dias [PL], que interpôs uma emenda, que não foi aprovada. Depois, o vereador Fabio Costa [PSB], interpôs a mesma emenda, e também não foi aprovada pela CCJ [Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania]. Depois os dois vereadores fizeram um recurso, que também não foi aprovado. Finalmente, na última terça-feira [29/03], todo o movimento negro se mobilizou para estar presente na Câmara, e quando conseguimos o apoio da maioria absoluta dos vereadores, a vereadora Gaby Ronalsa [DEM] pediu vistas novamente do projeto sob a alegação de dúvidas quanto à sua legalidade, em função da iniciativa do poder legislativo”, contou o advogado.

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