São mais de 230 quilômetros de litoral com paisagens exuberantes, praias de areia branca, mar calmo de águas cristalinas em tons de azul turquesa e coqueirais. Assim é o litoral alagoano. O cenário remete às praias caribenhas. Não é à toa que, no roteiro turístico, o estado é conhecido como o caribe brasileiro. Mas o que dá o tom, a calmaria e transforma o lugar em um verdadeiro paraíso, especialmente aos olhos dos nativos, são os recifes de corais de águas rasas.
Eles estão presentes em quase toda extensão da costa alagoana, mas é no trecho entre Maceió e Maragogi que fazem uma grande barreira de proteção, conhecida como Costa dos Corais. A Área de Proteção Ambiental (APA) tem uma extensão de 120 quilômetros, que vai da capital alagoana Maceió até Tamandaré, em Pernambuco, conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). É uma das maiores barreiras de corais do mundo, com seres vivos responsáveis por formar piscinas naturais que atraem turistas o ano inteiro. Somente em Maragogi, mais de 2 milhões de turistas visitaram as piscinas naturais formadas pelos recifes de corais em 2024, conforme o Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima.
O paraíso alagoano está ameaçado e pode desaparecer. O motivo: o aquecimento global causado pelas emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. O fenômeno tem aproximado a Terra de pontos de não retorno e um deles é a extinção dos corais. No Brasil, nos quatro primeiros meses de 2024, as águas do oceano registraram temperaturas acima de 5% do normal. Em Alagoas, estudiosos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que monitoraram colônias em Maragogi, Paripueira e Maceió, apontaram que a elevação da temperatura da água causou o branqueamento de aproximadamente 90% de algumas espécies de corais. No município de Maragogi, a situação foi ainda pior: as ondas de calor levaram à morte 95% dos corais-de-fogo e 92% dos corais-vela.
Conforme especialistas, para salvar os corais é preciso frear o aquecimento global, combatendo a poluição e as atividades econômicas degradadoras. O fenômeno preocupa o mundo inteiro há décadas, mas foi no Acordo de Paris, em 2015, durante a vigésima primeira Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP21, que os países assumiram metas e compromisso para reduzir suas emissões de poluentes. O acordo foi ratificado originalmente por 196 países e entrou em vigor no ano de 2016. Periodicamente, líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais (ONGs) e representantes da sociedade civil se reúnem para discutir ações de combate às mudanças do clima. Este ano, o evento entra na trigésima edição e será realizado no Brasil. A COP30 acontecerá em novembro, em Belém do Pará.
Mas até a COP30 acontecer, pessoas e instituições no mundo todo compromissadas em combater as mudanças climáticas estão a todo instante articulando ações, seja para reverter o fenômeno, amenizar seus impactos ou promover adaptações ao novo clima.
Enquanto o mundo tenta reduzir o aquecimento global, em Alagoas diversas frentes capitaneadas por setores como turismo, pesca, universidade, instituições públicas, ONGs, comunidades locais, entre outros, buscam proteger ao máximo os corais alagoanos com soluções que atenuem o impacto da elevação da temperatura.
Projeto vai diagnosticar, monitorar e restaurar colônias de corais e qualificar o turismo
A morte em massa apontada pelos pesquisadores da Ufal ganhou repercussão e, diante da gravidade da situação, uma parceria com o objetivo de salvar a riqueza submersa surgiu. Lançado em novembro do ano passado, o projeto Corais de Alagoas reúne Ufal, Secretaria de Estado de Turismo de Alagoas (Setur/AL) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), além das articulações de órgãos do estado, como a Secretaria de Estado da Ciências, Tecnologia e Inovação (Secti) e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA).
O projeto injeta mais recursos nas pesquisas da universidade para ampliar o monitoramento e o diagnóstico dos corais da costa alagoana, que agora contempla a região de Marechal Deodoro. Na sequência, o Corais de Alagoas prevê a restauração de colônias e a qualificação do turismo, que deve ser de experiência, voltado para preservação.
Conforme o coordenador do projeto, o professor Robson Santos, do Laboratório de Ecologia e Conservação de Antropoceno (Ecoa) da Ufal, o Corais de Alagoas ainda está na fase inicial. “Vamos ampliar o monitoramento. Durante esse processo, visitaremos cada uma das áreas para mapear a saúde dos recifes. Estamos finalizando a questão logística, começando os primeiros monitoramentos por drone e planejando as operações de campo voltadas a esse monitoramento.”
No que compete ao turismo, serão realizadas oficinas com as pessoas inseridas na atividade. “A nossa ideia é reunir uma diversidade maior de atores para englobar o trade turístico, incluindo os envolvidos com as hospedagens, turismo de base comunitária e barqueiros que fazem os passeios”, explicou Santos.
O objetivo é ajudar a qualificar ainda mais o setor de uma maneira geral, em todas as suas modalidades, e ajudar a promover o turismo de experiência com mais informações sobre a biodiversidade, suas belezas e como elas estão ameaçadas. E essa qualificação, conforme Santos, será traçada para impulsionar novos atrativos, como a criação de trilhas subaquáticas, para envolver o turista no processo de conservação.
O professor avaliou que, dessa forma, os passeios já existentes se tornarão ainda mais interessantes. “Assim uma conexão maior entre o turista e o ambiente será criada e ajudará na própria conservação do ambiente recifal”, vislumbrou.
Uma outra etapa do projeto é a recuperação dos corais, que, segundo Robson Santos, já está sendo pensada e planejada. Os dados provenientes do monitoramento que constatou o branqueamento em massa em 2024 ajudaram nesse planejamento. As práticas de restauração estão previstas para o próximo ano.
“Para aumentarmos as chances de termos um experimento inicial de restauração mais bem sucedido, nós precisamos estudar quais espécies e métodos serão utilizados e quais lugares são mais propícios para a introdução desse experimento”, disse Santos. Mas adiantou que a técnica já foi escolhida: será a de transplantes. “O que pretendemos fazer de maneira simplificada é criar um berçário para o crescimento dos corais e depois ‘replantar’ fragmentos deles no ambiente”.
Todas as etapas, do monitoramento à recuperação dos corais, serão executadas pela equipe do projeto Corais de Alagoas, que envolve três laboratórios da Ufal: o Ecoa, o Laboratório de Ecologia Bentônica (LEB) e o Laboratório de Ictiologia e Conservação (LIC). Esses dois últimos funcionam em Penedo. Instalado no Campus Maceió, o Ecoa é responsável por coordenar o projeto.
As atividades contam ainda com o apoio do Instituto Biota de Conservação e do Projeto Conservação Recifal (PCR). Conforme o professor Robson Santos, coordenador do Ecoa e do projeto, novas parcerias ainda estão sendo estabelecidas e outras instituições devem integrar o projeto no futuro.
ESTUDOS
O grande evento de branqueamento de corais em Alagoas foi constatado pelos pesquisadores da Ufal em 2024 em áreas monitoradas pelos estudiosos. Eles constataram no litoral alagoano a elevação da temperatura da água do mar entre setembro de 2023 e abril 2024. Os picos de elevação da temperatura ocorreram entre março e abril do último ano, o que, consequentemente, causaram o branqueamento em massa dos corais observados.
As expedições de campo detectaram o fenômeno nos municípios da Costa dos Corais, em áreas fora da APA em Maceió, no Resex Lagoa de Jequiá e em Jequiá da Praia. Mas foi na APA Costa dos Corais que o fenômeno chamou a atenção, devido ao alto grau de branqueamento.
Turismo de experiência é uma política prioritária para o Governo de Alagoas
Esse é o maior projeto para salvar os recifes de corais no estado. A superintendente de Planejamento e Prospecção de Negócios Turísticos da Setur/AL, Milena Araújo, destaca que a restauração e a conservação dos recifes de coral é uma prioridade do Governo de Alagoas. Por isso, o Corais de Alagoas já está sendo colocado em prática.
“O objetivo geral do projeto é desenvolver estratégias práticas, ativas e inovadoras de conservação e restauração dos recifes de coral de Alagoas, promovendo simultaneamente a qualificação do turismo no nosso estado”, salienta Araújo.
O Corais de Alagoas reúne órgãos financiadores, executores e estratégicos. A Setur deu o pontapé inicial ao procurar o professor Robson Santos, integrante dos três laboratórios da Ufal voltados para estudos dos recifes de corais em Alagoas em parceria com o Instituto Biota de Conservação.
Com a atuação da Setur, o trabalho acadêmico, que era desenvolvido em pequena escala, ganhou outra dimensão. Entraram para somar esforços o Instituto de Meio Ambiente (IMA); a Fapeal; a Secretaria da Ciência, da Tecnologia e da Inovação de Alagoas (Secti); e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
O Corais de Alagoas possui três eixos temáticos principais: caracterização e monitoramento da saúde dos recifes de coral, restauração dos recifes de coral e qualificação do turismo. Conforme Milena Araújo, a equipe executora, coordenada pelo professor Robson, está iniciando o mapeamento das áreas de berçário e colônias saudáveis para em seguida construir estruturas de berçários. “Nossa expectativa é que sejam replantadas mais de 500 colônias nas áreas a serem selecionadas como adequadas pelos parâmetros que foram mensurados na etapa de caracterização e monitoramento do projeto. O mapeamento ocorre em diversos recifes distribuídos em três áreas: Maragogi, Paripueira e Maceió. Adicionalmente, o projeto Corais de Alagoas irá monitorar também a Praia do Francês, em Marechal Deodoro.”
Outras parcerias ainda podem ocorrer no decorrer da execução do projeto. A mais recente foi a do Ecoa Lab, que é executor do Corais de Alagoas, com o Projeto Sururu. De acordo com a Setur/AL, o Projeto Sururu destina blocos feitos a partir da casca do sururu, utilizando-os como base para fixar os corais nas estruturas. “Essa é uma alternativa sustentável que evita a utilização de materiais plásticos”, explicou Milena Araújo.
A Ufal faz parte como órgão executor e a Setur e o Banco de Desenvolvimento da América Latina como financiadores. Já o trade turístico, como parceiro.
De acordo com a Setur/AL, o trade turístico é um grande apoiador da iniciativa. Ele é o responsável por boas práticas na região e deve preparar os turistas e os trabalhadores do setor, conscientizando e mostrando a importância da preservação, além de se envolver no processo de monitoramento.
Todo esse esforço é feito, segundo a superintendente da Setur/AL, porque o turismo de experiência já é uma política prioritária para o Governo de Alagoas. “A exemplo do projeto Peixe Boi, em Porto de Pedras; da reserva Palatéia, na Barra de São Miguel; e da comunidade Muquém, em União dos Palmares. A qualificação do turismo, planejada pelo projeto Corais de Alagoas, visa associar os conhecimentos sobre a ecologia dos recifes de coral com as boas práticas de turismo sustentável.”
Inicialmente a qualificação do turismo vai focar nas cidades onde o projeto é desenvolvido. As comunidades de Maceió, Marechal, Paripueira e Maragogi envolvidas no trade terão acesso a cursos gratuitos, por meio do programa da Setur chamado Escola do Turismo, com oportunidade também para aqueles que queiram ingressar no primeiro emprego.
A expectativa é de que o projeto continue além do atual governo, que as atividades sigam com o trade turístico. Toda a estrutura está sendo plantada agora para que os trabalhadores do setor, os visitantes e a comunidade possam aproveitar as belezas dos corais de forma respeitosa e consciente.
IMA
No projeto, o IMA atuará como articulador da pauta ambiental. O órgão destaca que já desenvolve ações nos recifes de corais do estado, atuando tanto na fiscalização quanto no incentivo à educação ambiental. Também é responsável pelo Projeto Cultiva Coral, que reúne uma equipe multidisciplinar com o objetivo de recuperar áreas utilizando espécies nativas no litoral alagoano, onde atualmente existem mais de 100 piscinas naturais. Algumas delas, inclusive fechadas para fins de preservação, como é o caso da Piscina do Amor, em Maceió.
“O setor de Gerenciamento Costeiro realiza vistorias nessas áreas, mantém contato direto com os jangadeiros que operam nas regiões recifais e atua no disciplinamento dos usos dos ambientes recifais na área costeira da região metropolitana de Maceió. Já o setor de Educação Ambiental promove atividades com banhistas e também com os próprios jangadeiros, contribuindo para a conscientização sobre a importância da conservação marinha”, reforça o IMA por meio de sua assessoria de imprensa
Fapeal destaca pioneirismo da iniciativa
O diretor-presidente da Fapeal, Fábio Guedes, destacou o pioneirismo da parceria. “É o único exemplo no Brasil de uma parceria do Banco de Desenvolvimento da América Latina, de um Governo do Estado e de uma universidade com esse propósito”.
Guedes informou ainda que o investimento no projeto vai contribuir para aprofundar os estudos sobre a questão do branqueamento, mas também traçar formas de fazer um turismo sustentável e preservar o patrimônio ambiental. “O banco entra com uma parte dos recursos e o Governo, através da Fapeal, Secti e Setur, com outra. O branqueamento de corais está afetando boa parte da costa brasileira e da Austrália. Então, o projeto dos pesquisadores da Ufal tenta se antecipar, fazendo um diagnóstico. Ver como é que o turismo ele também acelera ou contribui para o processo de branqueamento. Como é que a gente pode tentar preservar os corais buscando um turismo mais sustentável? Há regiões onde o turismo foi criando consciência e os corais estão sendo preservados.”
Fábio Guedes salienta que o projeto dos pesquisadores da Ufal já fazia parte do Programa Ecológico de Longa Duração (Peld), que financia 38 grupos de pesquisa no Brasil inteiro nas diversas áreas ecológicas. O Peld é financiado pelo Governo Federal, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e fundações estaduais, que no caso de Alagoas é a Fapeal. A área ecológica é a região da Costa dos Corais.
“Como eles já fazem parte desse programa e são especialistas nessa área, então a gente, juntamente com o Banco de Desenvolvimento da América Latina, pegou esse mesmo grupo e colocou recursos para eles estudarem especificamente a questão do branqueamento. Então o Governo do Estado resolveu investir mais recursos no Ecoa para fazer um diagnóstico [da situação], qualificar o turismo e conscientizar as comunidades”, explicou o gestor da Fapeal.
Guedes disse que é necessário primeiro entender o fenômeno. “Quais são os tipos de corais mais sensíveis e os que não são, quais tipos de corais nós temos aqui, quais são os que podem ser preservados e aqueles que não podem, quais são as áreas que ainda não estão sendo afetadas. Então tem tudo isso. Números de piscinas naturais e tipos de corais que estão nelas. Quais precisam virar áreas de proteção. Porque essas áreas só podem ser criadas a partir do momento em que há estudos a respeito da sua riqueza ambiental.”
Economista avalia importância do projeto
O economista Fábio Leão avaliou que o projeto da Ufal em parceria com o Governo do Estado promoverá um grande impacto para a sociedade alagoana. “É especialmente importante para Alagoas, um estado que respira turismo e conta com uma parcela significativa de sua população sobrevivendo da pesca e de atividades correlatas na vasta cadeia produtiva do turismo.”
Para dimensionar o tamanho da importância, ele explicou os pilares que estruturam o projeto: a preservação, o turismo sustentável e a geração de emprego e renda. “Municípios como Maragogi, Paripueira e Marechal Deodoro dependem diretamente das belezas dos recifes de coral. A degradação pode reduzir as atividades turísticas, impactando segmentos como hotéis, restaurantes, operadoras de mergulho e todo o comércio local. Os recifes de coral são essenciais para a biodiversidade marinha, servindo como habitat para diversas espécies de peixes, representando um grande atrativo para turistas e para os pescadores locais. Sua destruição pode comprometer a pesca artesanal, afetando diretamente comunidades inteiras que dependem dessas atividades para sobreviver. Então, a restauração pode ajudar a manter o equilíbrio ecológico e a produtividade pesqueira – especialmente aquela artesanal de mais baixo impacto. O projeto tem potencial de atrair investimentos e, consequentemente, gerar empregos diretos e indiretos”, avaliou.
Leão diz que outro ponto importante é o conhecimento gerado e internalizado na região, com a colaboração entre pesquisadores alagoanos e de outras regiões do país e do mundo. Para ele, a recuperação dos corais em Alagoas não passa apenas pela questão ambiental, mas também pelos aspectos sociais e econômicos. “O projeto fortalece setores estratégicos, protege empregos e garante a sustentabilidade do turismo e da pesca. Se bem executado, pode transformar a relação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental com inclusão social no estado”, enfatizou.
De acordo com o economista, o Corais de Alagoas é uma oportunidade para toda a sociedade olhar com mais carinho e cuidado as belezas naturais, investir em educação ambiental e promover um equilíbrio entre exploração econômica e social sustentável, respeitando a capacidade de carga dos sistemas marinhos. “Não é racional destruir a fonte do sustento de várias populações do estado. Dessa forma, o projeto é uma excelente oportunidade para que o estado não venha a cair na armadilha ambiental denominada ‘tragédia dos comuns’, um fenômeno ambiental e econômico que ocorre quando um recurso compartilhado é explorado de maneira excessiva, levando à sua degradação e esgotamento”, finalizou Fábio Leão.
“Uma tragédia em todos os sentidos: ambiental, social e econômica”
A elevação da temperatura não tem dado trégua para os corais. Os indicadores têm mostrado que o aquecimento global está ocorrendo de forma contínua ano após ano e as águas dos oceanos seguem a mesma dinâmica. As ondas de calor estão ficando cada vez mais altas, intensas e duradouras. O primeiro mês deste ano foi o janeiro mais quente já registrado, segundo dados divulgados pelo Copernicus, observatório climático da União Europeia. O recorde de calor ocorreu mesmo sob o fenômeno La Niña, que tipicamente reduz a temperatura média global.
Por conta disso a morte de corais vem batendo recordes no Brasil, da Bahia até o Norte do país. Conforme o presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, Sérgio Xavier, a situação é crítica, porque os impactos dessa destruição são gigantescos, visto que esses seres vivos, embora ocupem aproximadamente 1% das áreas oceânicas do mundo, são responsáveis por 30% da biodiversidade dos oceanos. “Ou seja, 30% das espécies se abrigam, se alimentam e se reproduzem nos corais. Então toda essa economia baseada na pesca fica comprometida, porque é ali onde tem a reprodução das espécies que os pescadores usam comercialmente.”
Xavier avalia que, pela importância turística, tamanho e visibilidade, a Costa dos Corais, especialmente em Maragogi, vive a situação mais crítica do Brasil, talvez do planeta, em termos de morte de corais, porque a região tem um importante banco de corais, um dos maiores do mundo em termo de extensão e está em uma área de muito calor.
“As águas do oceano no Nordeste já são as mais quentes e agora com esse aquecimento estão ficando ainda mais quentes. A última onda de calor durou cinco meses com uma temperatura média de 5 °C acima do normal causando a morte de corais. No caso de Maragogi, em Alagoas, realmente é assustador. As informações que nós temos é que essas últimas ondas de calor já mataram mais de 90% de dois tipos de corais que só existem no Brasil, o Coral de Fogo e o Coral Vela. Então, se isso continuar dessa maneira, eles vão entrar em extinção”, destacou o especialista.
O branqueamento, consequentemente, compromete toda economia do turismo dessa região. “Porque as pessoas vêm de longe para mergulhar, ver os peixes. Enfim, isso também tende a se acabar. O impacto na biodiversidade, no turismo, na pesca, na economia de um modo geral é muito grande. Porque isso vai encadeando um conjunto de problemas em outros setores. Então é realmente uma situação de tragédia em todos os sentidos. Se essa região perder os corais, será é uma tragédia social e econômica, além de ambiental”, salientou Xavier.
Conforme o ambientalista, uma trégua no aquecimento seria muito útil para a sobrevida dos corais. “Se a temperatura voltasse ao normal com rapidez ou se passassem vários anos sem aquecer, talvez os corais fossem se recuperando naturalmente.”
Economia que degrada tem que ser reinventada para fazer o inverso
As ações locais em todo o mundo não devem resolver o problema definitivamente. “Mas precisam ser feitas para, pelo menos, adiar ao máximo a morte dos corais, enquanto o mundo resolve a redução do aquecimento global”, explicou o presidente do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.
Nesse sentido, Xavier destaca a importância de eventos voltados para a proteção e sustentabilidade do oceano, como uma série de eventos internacionais focados em litorais e ilhas oceânicas ocorridos em abril deste ano em várias partes do mundo. Voltados para empresas, pesquisadores e líderes internacionais, com o objetivo de buscar soluções de alto nível para o futuro do planeta azul, os eventos são preparatórios para a COP30, que este ano acontece no Brasil.
“Foi uma oportunidade de reunir representantes de países ilhas, países insulares de diversas partes do mundo e também de áreas litorâneas que estão implementando projetos inovadores voltados à proteção e regeneração ambiental, com o objetivo de discutir modelos econômicos que possam promover a regeneração ambiental, em vez da destruição. Muitos modelos atuais geram impacto ambiental, concentram renda e lucro para as grandes empresas. E as comunidades ficam muitas vezes fora desse processo. Então, o foco é como criar modelos econômicos que protejam os corais e as áreas litorâneas, seja por meio da pesca, do turismo e de diversas atividades. Um modelo que tenha compromisso com a regeneração e proteção, gerando formas e recursos para essa preservação. Porque na velocidade que a coisa está indo não vai ter recursos para fazer essa proteção”, alertou Sérgio Xavier.
Xavier avaliou que melhorar o controle é urgente para proteger essas áreas. E ele deve ser feito diminuindo a quantidade de pessoas que visitam de uma só vez as piscinas naturais. Porque menos gente em cada momento evita a sobrecarga. Mas, paralelo ao planejamento do turismo, também é necessário trabalhar no processo de regeneração do que restou dos corais.
“Então, é muito importante fazer isso com muito cuidado. Ou a própria economia se organiza para ela própria fazer esse trabalho ou tudo vai entrar em colapso daqui a pouco por falta de condições de sustentar tudo isso. Então é a economia que está colocando essa degradação, portanto a própria economia tem que ser reinventada para fazer o inverso, para proteger, para regenerar. E há grande possibilidade de regeneração, mas o grande desafio é realmente resolver a questão do aquecimento global”, pontuou ele.
Pescadores e barqueiros sentem os efeitos do aquecimento global e lutam pela preservação
Na comunidade São Bento, em Maragogi, pescadores e jangadeiros têm no mar de águas límpidas proporcionadas pelos recifes de corais a fonte de sustento de suas famílias. Eles atuam na croa de São Bento, onde o turismo é em pequena escala, e demonstram estar alinhados com a preservação do ecossistema.
Josia Freire, presidente da Associação dos Jangadeiros de São Bento, fundada em 2017 e composta de 60 integrantes, explicou que os passeios turísticos comercializados por eles são de base comunitária. As jangadas são artesanais de madeira, com motor de baixa potência.
“A grande maioria dos nossos associados é formada por pescadores nativos ou filhos de pescadores. Fazemos esse turismo baseado na pesca, na cultura pesqueira. Todas as nossas embarcações são legalizadas, vistoriadas pela marinha, engenheiro naval, ICMBio e prefeitura. Seguimos todas as normas e trabalhamos em parceria com as autoridades para manter o nosso ambiente agradável e seguro”, salientou Freire.
Ele disse que muitos pescadores têm buscado nos passeios uma outra fonte de sustento, porque os pescados estão cada vez mais escassos. “A gente tem ido cada vez mais longe e encontrado menos peixe, aí optamos por também aproveitar o turismo, já que ele aqui cresce bastante. Não quer dizer que deixamos de pescar. A maioria do pessoal ainda tem essa atividade.”
O jangadeiro afirmou que o branqueamento não afetou o turismo na região. “A nossa barreira de coral é muito grande. E o branqueamento é mais visível quando você tira uma foto aérea. No local onde a gente está fazendo o trabalho, geralmente ele não é muito visível.”
O presidente da Associação dos Pescadores, Marisqueiras e Aquicultores de São Bento, José Almir de Melo, relatou que, no início deste ano, a temperatura da água causou a mortandade de pescados na região. A situação foi registrada por um colega pescador.
Sobre o branqueamento dos corais, José Almir disse que o pescador não tem o que fazer. “A temperatura da água está elevando muito. Está cada vez mais quente. A gente percebe isso aqui. E as marisqueiras são as mais afetadas. Porque, quando a maré seca, a água fica quente. Aí, o marisco fica mais fundo e elas têm mais dificuldade de procurar, de cavar e encontrá-lo.”
Ele relatou que o peixe também está desaparecendo. “A gente não vê mais os cardumes de tainha que via antes. Não vê mais golfinhos passando.”
Ele enxerga o aquecimento global como o vilão do problema e salientou que os pescadores da região estão alinhados com o plano de manejo do ICMBio. Segundo ele, todos ajudam na fiscalização, porque entendem que é preciso preservar a biodiversidade para manter os ecossistemas em equilíbrio e garantir a manutenção da vida no planeta.
“Quando vê qualquer problema, a gente fiscaliza, liga para o ICMBio, para a Marinha. Aqui em São Bento é 100% preservação. Não posso fazer nada na beira da praia, onde estão explorando tudo, estão acabando com tudo. Mas nas piscinas a gente não deixa entrar lancha nenhuma”, garantiu o pescador.
Turismo sem controle, pisoteio e luz noturna aumentam impacto sobre os corais
O oceanógrafo e professor universitário Gabriel Le Campion alertou para problemas causados pela indústria do turismo que impactam ainda mais a vida dos recifes de corais em Alagoas, como a exploração sem controle das piscinas naturais, o pisoteio e a luz noturna.
“Nós já temos atividades de exploração das piscinas, sem nenhum controle, sem nenhum estudo de capacidade de carga, estudo científico, não é maquiagem ambiental, é preciso se enfatizar isso. Estudo científico por especialista. Capacidade de carga tem que se fazer e não se faz. Agora nós temos a exploração noturna também, não basta diurna, tem a noturna, que vai impactar a biota noturna que tem outro comportamento. Nós temos a iluminação na costa à noite que desregula tudo naquela região marinha”, alertou o especialista.
Le Campion explicou que o animal noturno é sensível ao excesso de iluminação. Com a luz, ele não sabe que é noite e pensa que está no período de dia. “E isso é um impacto terrível. Porque muitos desses organismos, à noite, eles estão abrigados sobre o recife. À noite eles saem para se alimentar, para copular. Há uma série de comportamentos que são necessários para manter o seu ciclo vital. E aí já não encontra. Muitos peixes ficam paralisados com o excesso de luz. Aí o predador os pega mais fácil. Quer dizer, tem todo um comportamento alterado porque a gente acha de embelezar, entre aspas, a nossa praia com luz.”
Ele diz que é possível iluminar a orla e deixá-la mais segura e com menor impacto para a biota. “A luz pode ser dirigida para o continente. Só o reflexo ir para a praia. Isso não custaria nada. Só inclinar ou colocar anteparos que coloquem a luz para baixo e na direção do continente. Você tem a praia iluminada, mas não precisa estar uma praia ofuscada. Tudo isso ajuda a manter a biota mais segura. Ainda assim haverá impacto, porém menor. Mas nada disso é feito, não se consulta o especialista”, desabafou.
Outro problema apontado por Le Campion diz respeito ao pisoteio dos recifes. Na região do farol da praia de Ponta Verde, por exemplo, tem sido recorrente as pessoas andarem sobre os recifes para tirar fotos. “Isso é terrível para um ambiente recifal. Você vai quebrando o recife, matando a biota que cresce sobre ele, porque eles não aguentam pisoteio. Com a biota viva, eles conseguem reforçar o recife. Essa biota que cresce sobre o recife, seja coralino, seja sedimentar de praia, ela reforça esse recife, evitando erosão marinha, evitando que ele se fragmente. Uma vez que essa biota morre por pisoteio e o recife é impactado por esses pisoteios você tem a fragmentação do recife. Você tem o transporte de sedimento para cima desses recifes, por obra costeira. Aí você tem um monte de impacto chegando lá”, explicou o professor.
Mesmo com a elevação do nível do mar, esses organismos vivos continuariam a se desenvolver. No entanto, como eles estão mortos por causa dessas atividades impactantes, não crescem mais, se fragmentam e, consequentemente, ocorre um aumento da erosão marinha.
Há também sedimentos oriundos dos mananciais que estão sendo depositados sobre os corais. Isso se deve, segundo o especialista, ao assoreamento dos rios e lagunas, ocasionado pela destruição da vegetação de restinga, por causa do avanço da especulação imobiliária nessas áreas. “Sem planejamento, sem nenhuma questão séria ambiental abordada nesses projetos. O sedimento fino passa pelos rios, não fica depositado na praia e vai terminar se depositando sobre os corais e isso é letal. Esse sedimento não deveria chegar lá. Os mangues ajudam a filtrá-lo. Mas uma vez que os nossos lagos estão sendo assoreados, os nossos mangues destruídos e a nossa vegetação de restinga também, aí você piora a situação”, avaliou.
Maragogi lidera em atos de infrações cometidos em piscinas naturais
O presidente do Fórum Brasileiro do Clima apontou que há uma consciência grande dos pescadores e do pessoal do turismo em Maragogi quanto à proteção dos corais. “Já tem essa educação ambiental, esse preparo, já entendem que isso [o branqueamento] acontece, mas ainda tem muito descontrole. A grande quantidade de turistas que visitam Maragogi é muito importante para a economia do município e das cidades ali do litoral, mas é um risco muito grande para piorar ainda mais essa situação se não houver um controle.”
E o descontrole em Maragogi está refletido em números. Em 15 anos, o ICMBio emitiu 534 notificações por atos de infrações nas piscinas naturais localizadas na APA Costa dos Corais. Dessas, 418 foram no município de Maragogi, sendo a maioria por passeio remunerado sem autorização de órgão ambiental.
Xavier diz que o ICMBio tem trabalhado para proteger os corais e o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima vem acompanhando isso com muita atenção.
Localizada nos municípios de Maceió, Paripueira, Barra de Santo Antônio, Passo de Camaragibe, São Miguel dos Milagres, Porto de Pedras, Porto Calvo, Japaratinga e Maragogi em Alagoas e São José da Coroa Grande, Barreiros e Tamandaré em Pernambuco, a APA Costa dos Corais é a maior unidade (UC) de conservação federal marinha costeira do Brasil e foi a primeira a proteger os recifes costeiros no país. Com mais de 400 mil hectares e 120 km de praias e estuários, a unidade abrange todos os ecossistemas formados por mangues, pradarias de angiospermas e recifes de coral.
Responsável por gerir a unidade de conservação, o ICMBio realiza ações de fiscalização por terra e mar, acompanha os processos de recuperação de áreas degradadas, realizando vistorias e elaborando relatórios e pareceres sobre a recuperação ambiental de áreas que sofreram intervenção humana e foram alvos de notificações e autuações.
“A APA Costa dos Corais protege os ambientes recifais e manguezais, mantém a conectividade entre os ecossistemas marinhos e estuarinos, conserva as espécies ameaçadas, especialmente o peixe-boi-marinho, e garante a sustentabilidade da pesca artesanal e do turismo, a valorização dos modos de vida das comunidades tradicionais e sua identidade cultural”, esclarece o ICMBio em seu plano de manejo.
Para manter esse ecossistema preservado, o órgão estabeleceu regras de visitação às piscinas naturais, que vão desde tipos de embarcações e número de visitantes permitidos a normas de conduta no ambiente marinho. Não é permitido jogar âncora nos corais, comercializar ou consumir alimentos e bebidas, alimentar os peixes, nem eventos recreativos, como festas e similares. A lista é extensa e pode ser conferida no link: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-de-conservacao/unidades-de-biomas/marinho/lista-de-ucs/apa-da-costa-dos-corais/arquivos/pm_apacc_2021_vf_23_08_22.pdf na parte sobre Normas gerais para a APA Costa dos Corais, a partir da página 59.
Prefeitura de Maragogi diz que aumentou fiscalização nas piscinas naturais
Procurada, a Prefeitura de Maragogi informou que dobrou o número de fiscais nas piscinas naturais do município, disponibilizou monitores ambientais nas áreas recifais e que todos os passeios remunerados possuem autorização.
“A fiscalização acontece diariamente de forma ativa, eficaz e contínua, garantindo total controle e cuidado com a conservação ambiental. Delegamos cotidianamente equipes de fiscais para cada uma das piscinas, possibilitando um acompanhamento proativo, identificando e monitorando as embarcações autorizadas, além de coibir a atuação de embarcações clandestinas”, disse o Executivo Municipal por meio de nota.
O órgão destacou que, mesmo assim, ainda existem comerciantes de passeios não autorizados, popularmente conhecidos como piratas, mas que essas práticas ilegais representam a minoria e que são combatidas diariamente. “Nossas equipes estão preparadas e atentas para identificar qualquer tipo de irregularidade. Quando constatadas, aplicamos as sanções cabíveis, como multas e demais punições aos responsáveis. A fiscalização tem sido intensificada e já foram emitidos diversos autos de infração referentes a práticas irregulares”, reforçou.
Em relação ao branqueamento de corais, a Prefeitura de Maragogi informa que implantou no município uma Biofábrica de Corais, com foco na restauração dos recifes por meio do cultivo e replantio.
BNDES destina R$ 60 milhões a projetos de preservação dos recifes de corais
Estimativas apontam que aproximadamente um bilhão de pessoas dependam dos recifes de corais. E o branqueamento em longa escala traz efeitos para a economia, para os meios de subsistência e para a segurança alimentar.
Diante disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) iniciou uma chamada permanente do Fundo Socioambiental do Banco para projetos destinados a contribuir com a recuperação e a conservação de recifes de corais rasos e bancos de corais brasileiros.
Durante o lançamento, no dia 10 de abril, foram anunciados investimentos da ordem de R$ 60 milhões. Mas posteriormente o banco anunciou a ampliação do montante para R$ 100 milhões. O reforço orçamentário foi justificado pela quantidade de propostas apresentadas e pela urgência em mitigar os impactos nesse ecossistema. O BNDES avalia que a iniciativa fortalece não apenas a conservação ambiental, mas também o desenvolvimento local.
“Precisamos olhar para os oceanos. Os corais são o condomínio da vida marinha, com uma importância decisiva. Estima-se que até um em cada quatro formas de vida nos oceanos dependam dos corais em algum momento. No entanto, eles estão sendo fortemente agredidos e ameaçados”, afirmou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, durante o lançamento da chamada.
Com o incremento, o BNDES convocou para financiamento imediato o dobro de projetos que inicialmente seriam atendidos. Os projetos devem estar voltados para a proteção dos recifes de corais no sentido de regulação do turismo comunitário, monitoramento e recomposição do ecossistema, melhoria da qualidade das águas das bacias que alimentam os corais, controle de espécies invasoras e combate à pesca predatória por meio da geração de renda alternativa.
Das 16 propostas apresentadas, 12 foram classificadas. Elas são direcionadas a recifes rasos localizados no litoral compreendido entre os estados da Bahia e Ceará e aos dois grandes bancos de corais brasileiros localizados em Parcel Manoel Luís (MA) e Abrolhos (BA/ES). As seis primeiras seguem para o trâmite de aprovação. As outras seis selecionadas permanecerão em uma lista de espera para futuras chamadas.
Mundo vive a quarta onda de branqueamento
Os corais são um ecossistema importante para a vida marinha. Nas águas rasas e mornas, são uma espécie de berçário para que outras vidas possam nascer, crescer, se reproduzir. Nas mais profundas e frias, se destacam como áreas de refúgio na fase adulta do ciclo de vida. São ambientes de riquíssima biodiversidade e comprovada importância dentro da cadeia alimentar dos oceanos. Formam barreiras que seguram as ondas e protegem a costa de inundações. No mundo, milhões de pessoas dependem dos recifes de corais para pesca, turismo ou tirar o alimento de cada dia.
Conforme especialista, essas cidades submarinas estão entre os ecossistemas mais vulneráveis do planeta às mudanças climáticas e podem praticamente desaparecer até o final deste século. E isso não é um alarde. O mundo vem batendo recordes de calor desde o início de 2023. A temperatura média anual aumentou 1,6 °C em 2024 em relação aos níveis pré-industriais, ultrapassando pela primeira vez a marca de 1,5 °C, que é a meta estabelecida no Acordo de Paris como limítrofe para evitar impactos climáticos catastróficos e o colapso de ecossistemas.
Os oceanos também continuam quentes. A temperatura média da superfície do mar em janeiro de 2025 foi de 20,78 °C, o segundo maior valor já registrado para o mês, apenas 0,19 °C abaixo do recorde de janeiro de 2024. Conforme especialistas, os oceanos continuam esquentando e não vão parar enquanto não houver uma cooperação internacional para reduzir a queima de combustíveis fósseis.
Diante desse cenário, o mundo está vivendo a quarta e mais grave epidemia de branqueamento em massa de corais. O evento é considerado global quando acontece nas três bacias oceânicas – Atlântico, Pacífico e Índico. Dados da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), sigla em inglês para Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, obtidos por uma combinação de imagens de satélites da entidade e de parceiros, apontaram que essa última onda de branqueamento atingiu os corais em 62 países nos últimos dois anos.
A quarta onda começou em 2023 e ainda não tem data para acabar. Também ainda não há dados fechados da destruição causada. “O que destaca o evento atual, em andamento, é a quantidade de estresse térmico acumulado na bacia do Oceano Atlântico. Nenhum dos eventos globais de branqueamento anteriores demonstrou um estresse térmico tão severo e generalizado em todo o Atlântico. No último ano, 99,7% das áreas de recifes tropicais do Atlântico sofreram estresse térmico com níveis de branqueamento”, destaca a NOAA.
A primeira onda de branqueamento de corais ocorreu em julho de 1997 e se estendeu até dezembro de 1998, dizimando 8% da população de corais do mundo. Uma segunda onda ocorreu de janeiro a dezembro de 2010. Já a terceira foi entre junho de 2014 e maio de 2017.
Conforme a NOAA, durante os eventos globais de branqueamento de 1998 e 2010, a área afetada pelo maior estresse térmico foi menor do que a área afetada durante os dois eventos mais recentes. “Estresse térmico severo com nível de branqueamento existiu em uma extensão muito maior dos oceanos do mundo entre 2014 e 2017. Mais de 14% dos corais do mundo morreram entre 2009 e 2018.”
A Noaa fez um comparativo entre os quatro eventos através de mapas, em que mostra a localização e a intensidade do estresse térmico dos corais durante o pico de cada episódio. Os mapas alertam para as áreas de branqueamento de corais e classificam o estresse térmico em uma escala de 1 a 5. As categorias são baseadas em uma combinação de quão quente a água está e por quanto tempo as temperaturas estão elevadas. O alerta de branqueamento nível 5 é comparado a um furacão de categoria 5 em termos de impactos nos ecossistemas dos recifes de corais.
De acordo com a Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral, apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), entre 2009 e 2018, o mundo perdeu 14% de sua cobertura de corais.
BRASIL
No Brasil, as barreiras de corais de águas rasas vão do Ceará a Santa Catarina. De 18 pontos monitorados pelo Instituto Coral Vivo, três estão em risco. Eles estão em Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia.
Conforme o instituto, o Brasil não foi tão afetado nos três primeiros grandes eventos globais de branqueamento de corais, que começaram em 1998. O país registrou o primeiro branqueamento em massa em 2019, quando houve muita mortalidade desses seres vivos. Mas foi no último evento, ocorrido em 2024, que ocorreu a maior devastação das espécies, colocando algumas delas à beira da extinção, como é o caso do coral-de-fogo e do coral-vela.
BRANQUEAMENTO
Os corais têm uma estrutura de calcário e abrigam algas chamadas de zooxantelas. Eles dão proteção às algas e essas, por sua vez, dão cor e entregam o excesso de energia que produzem quando fazem a fotossíntese. Mas, quando a água fica muito quente, as algas produzem uma substância, como água oxigenada, que é tóxica para o coral e ele as expulsa. Sem elas, os corais não conseguem se alimentar e viram esqueletos.
Esse branqueamento não significa, a priori, uma sentença de morte para o coral. Isso porque, se a água esfriar rápido, as algas voltam para o coral e ele sobrevive.
O problema é que, os recordes de temperatura e por períodos prolongados registrados nos oceanos não têm dado chances de sobrevida e as populações de corais estão diminuindo. É como um incêndio florestal que se move pelo mato. Só que no mar, o fogo é a onda de calor oceânica e a floresta são os corais. A poluição e o turismo desordenado aceleram essa degradação.
O tempo de regeneração é longo, porque esses animais só crescem alguns milímetros por ano e o aquecimento global também não recua.
Startup restaura corais com técnica de transplante
Uma startup voltada para restauração e resiliência recifal está fazendo a diferença em Maragogi-AL, Tamandaré-PE e Porto de Galinhas-PE. A Biofábrica de Corais vem recuperando espécies de corais em áreas degradadas.
O processo de recuperação consiste em coletar corais de oportunidade, ou seja, fragmentos tombados no assoalho marinho com cerca de 50% de perda de tecido. Esses fragmentos são transformados em mudas e fixados em dispositivos de cultivo impressos em 3D.
“A primeira etapa, chamada de ‘berçário’, é quando os corais crescem inicialmente. Depois, passam para a fase de recria, quando são transferidos para estruturas maiores até atingirem o tamanho ideal para serem devolvidos ao ambiente natural. Por fim, os corais transplantados são monitorados para avaliar a taxa de sucesso da reintrodução”, explicou o engenheiro de pesca Rudã Fernande, CEO e fundador da Biofábrica de Corais, uma startup incubada pelo PoloTec da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundada em julho de 2021.
Rudã explicou que, em Maragogi, após o colapso de algumas espécies, a startup está desenvolvendo protocolos de manejo para a recuperação. O trabalho conta com o apoio de parceiros locais, como o Grupo Amarante, a Prefeitura e a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), com a anuência do ICMBio. “Em Maragogi, estamos na fase inicial do desenvolvimento de protocolos de cultivo para as espécies da região. Atualmente, estamos focados na fase do berçário. Temos aproximadamente 2 mil fragmentos de corais em estruturas de cultivo e conduzimos experimentos para determinar o tipo ideal de dispositivo de cultivo, o tamanho mais adequado, o tempo necessário para cada fase e outras variáveis. Os próximos passos serão definidos conforme as diretrizes do ICMBio”, disse.
Na costa alagoana, as atividades de pesquisa da Biofábrica de Corais são realizadas na piscina natural chamada Galés de Maragogi, uma área fechada à visitação. O foco dos estudiosos é nas espécies Millepora alcicornis, Siderastrea stellata, Porites astreoides e Montastraea cavernosa, predominantes na região e que eles conseguem obter fragmentos. “Acreditamos que a integração com o turismo seria possível, mas nossa licença atual permite apenas atividades de pesquisa, sendo que qualquer ampliação deve seguir as diretrizes técnicas do ICMBio.”
Em Tamandaré, a Biofábrica de Corais foca no desenvolvimento de pesquisas e melhoria das técnicas de cultivo, com a parceria do Instituto Recifes Costeiros (Ircos) e do Centro Nacional de Pesquisa da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene) do ICMBio. O projeto tem uma estrutura de cultivo em laboratório, longe do ambiente natural, o que os pesquisadores chamam de ex situ. “Isso nos permite criar corais em ambientes controlados próximos aos recifes, protegendo-os em períodos críticos e apoiando pesquisas acadêmicas”, detalhou Rudã.
Já em Porto de Galinhas, a startup realiza atividades de transplantação de corais, integrando-as com iniciativas turísticas para sensibilizar visitantes sobre a conservação marinha. Por lá, após o branqueamento de 2024, a startup cultivou até o momento mais de 1,5 mil fragmentos em parceria com turistas que participam das experiências de restauração recifal.
Rudã apontou os desafios de comandar um projeto tão importante para recuperação do ecossistema recifal. “Em Maragogi, precisamos de mais parcerias para consolidar as condições operacionais e executar atividades de forma mais eficiente. Em Tamandaré, o principal desafio está relacionado ao impacto do branqueamento dos corais, o que dificulta a obtenção de fragmentos para cultivo. Já em Porto de Galinhas, além do problema do branqueamento, o ambiente é historicamente mais degradado e atualmente enfrentamos grandes desafios com o acúmulo de sedimentos no substrato marinho, o que exige maior manejo por parte da nossa equipe”, salientou.
OUTRAS TÉCNICAS
Mais de 50% dos recifes de corais do planeta já foram perdidos nas últimas três décadas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Para salvá-los, cientistas de diversas áreas criaram técnicas de restauração inovadoras para trazer corais de volta à vida. Essa resposta urgente à destruição desses ecossistemas é uma prática recente. Os primeiros projetos de restauração de corais surgiram nos anos de 1960 devido à evidente e frequente degradação. Entre 1970 e 1980, com avanços na ciência marinha e legislações de proteção mais fortes, surgiram as técnicas de transplante e construções artificiais com cimento e oceanite.
Desde 2016, a tecnologia evoluiu e a microfragmentação, que acelera o crescimento dos corais ao dividi-los em pedaços menores, passou a ser utilizada. Atualmente, algumas dessas tecnologias incluem robótica, inteligência artificial (IA), impressão 3D, fertilização in vitro e monitoramento acústico.
Na Austrália, que possui a maior barreira de corais do mundo com mais de 600 espécies distribuídas em 344.400 km², a Great Barrier Reef Foundations utiliza IA e monitoramento acústico. Ao analisar e reproduzir sons de recifes saudáveis, a técnica tem ajudado a aumentar a diversidade de peixes em até 50%.
Nas Maldivas, o país mais plano do mundo, os recifes de corais são uma proteção vital para as milhares de pessoas que nele habitam. O território está a apenas um metro acima do mar e concentra uma cadeia de quase 200 ilhas agrupadas em formações circulares, chamadas de atóis. Sem essa barreira, uma ressaca do mar pode varrer as ilhas. Por lá, a resposta ao branqueamento foi o uso da técnica de corais de proveta.
Na Flórida, nos Estados Unidos, onde há a terceira maior barreira de corais do mundo, com 560 quilômetros de extensão, restam apenas 2% dos corais vivos. Para evitar a extinção, os cientistas estão tentando recuperá-los em laboratório, por meio da técnica de clonagem e cultivá-los em uma espécie de arca de Noé. Eles são expostos a altas temperaturas da água para resistirem a ambientes mais quentes e mais ácidos. Depois são reintroduzidos aos oceanos, em um viveiro embaixo d’água. A previsão é a de restaurar quase 279.000 m² de corais em 20 anos, com um investimento de 100 milhões de dólares em 1 milhão de corais.
A restauração dos corais é uma estratégia para proteger ecossistemas marinhos e economias inteiras, visto que milhões de pessoas dependem dos recifes para sobreviver. Estima-se que, por ano, os recifes atraem milhões de turistas e mais de 6 milhões de peixes sejam capturados nessas áreas, gerando mais de R$ 36 bilhões de dólares em todo o mundo. Seu desaparecimento levaria a uma perda econômica gigantesca e colocaria em risco a segurança alimentar de comunidades costeiras e insulares.
O presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, Sérgio Xavier, avalia que tudo ajuda para salvar os corais, desde a qualificação do turismo até as técnicas de restauro. Mas, para reverter o processo que pode levar o ecossistema à extinção, é preciso combater o aquecimento global, zerando as emissões de gases do efeito estufa urgentemente.
Aquecimento global leva a Terra para o caminho da destruição
Todos os pontos de não retorno dos quais a Terra se aproxima estão relacionados aos oceanos. Além dos corais de águas rasas e mornas, parece estar atingido seu limite a circulação termohalina, que é uma grande distribuidora de calor e movida pelas diferenças de temperatura e salinidades entre regiões equatoriais e polares.
“A corrente termohalina é muito importante, porque ela ajuda a manter também o clima equilibrado. Tanto as correntes superficiais quanto a corrente termohalina ajudam a manter o clima equilibrado, oscilando dentro de determinados limites. Então, se essa corrente para, você tem um impacto muito grande no clima mundial”, explica Gabriel Le Campion.
Na sequência, o manto de gelo da Groelândia, cujo derretimento pode aumentar o nível do mar em proporções alarmantes e alterar padrões climáticos globais, como a intensificação do fenômeno El Niño; e o manto de gelo da Antártida Ocidental, que também está derretendo.
“O degelo das plataformas, tanto da Antártica quanto do Ártico, não vão afetar o nível do mar. Isso porque são blocos de gelo sobre o oceano. Pode afetar o clima, a biota, dar problemas para os ursos polares, por exemplo, mas não vai elevar o nível do mar. O que eleva o nível do mar é o degelo das geleiras que estão sobre o continente. Porque a plataforma é como um gelo colocado dentro do copo. O gelo derrete, mas não faz a água do copo subir. Agora o que está sobre o continente, sim. O degelo dos Alpes, dos Andes isso aí é problema, isso eleva o nível do mar”, explica o oceanógrafo.
O quinto ponto que se aproxima de seu limite é o permafrost, que é o solo congelado de regiões muito frias. Seu derretimento liberará gases de efeito estufa armazenados, mudanças na hidrologia local e instabilidade do solo.
Conforme Le Campion, o permafrost é muito rico em matéria orgânica em decomposição. Ele é responsável por segurar o metano, que é um dos gases do efeito estufa, oriundo da fermentação anaeróbica dessa matéria orgânica. “Uma vez derretendo, ele vai jogar para a atmosfera muito metano. Isso traz duas consequências. Primeiro vai aumentar muito o efeito estufa. Segundo vai esmerilhar a camada de ozônio. Ele vai afinar essa camada como um esmeril, desgastando a camada de ozônio. E isso poderá, dependendo da quantidade de metano liberado pelo permafrost, fazer com que a camada afine e aí haverá a entrada de uma radiação ultravioleta que normalmente não penetra, que são os raios deletérios do ultravioleta. O comprimento da radiação. Esses raios de baixo comprimento, eles vão penetrar nos tecidos biológicos e vão produzir mutações e mortes, matando grande parte da vida no Planeta”.
Homem é responsável por acelerar ciclos na terra além da capacidade dos ecossistemas
O oceano é o grande pulmão do mundo. Conforme Gabriel Le Campion, ele é responsável por 70% do oxigênio do Planeta. “Os outros 30% vêm dos vegetais do continente. Sejam as florestas, as algas dos lagos e por aí vai”, diz. Mas, quando a Terra atingir os cinco pontos de não retorno, a qualidade do ar e essa disponibilidade de oxigênio serão severamente impactadas. Alterações drásticas podem ocorrer, com consequências imprevisíveis para a vida. “O ar terá proporções maiores de metano e gás sulfídrico, causando ainda mais efeito estufa e mais radiação ultravioleta”, explica ele.
Para o oceanógrafo, é difícil predizer o futuro do planeta diante de tamanha destruição. “Há modificações e haverá modificações, sem dúvida isso ocorre. Em maior ou menor grau. O problema é que, na realidade, são ciclos que ocorrem também. A gente tem que falar disso. Nós estamos sobre um ciclo solar de 80 anos, que põe mais energia no Planeta também. E nós temos também outros ciclos que são responsáveis às vezes por ciclos de curto prazo e ciclos de longo prazo. A diferença é que o homem tem acelerado esses ciclos, infelizmente”, diz.
Segundo ele, o problema é que o homem está acelerando ciclos além da capacidade do ecossistema. “Dos mecanismos de homeostasia do ecossistema, de voltar esse ecossistema ao equilíbrio dinâmico que ele tinha. Então, quando a gente ultrapassa essa capacidade dos ecossistemas de se corrigir e de se manter sustentada, nós provocamos um impacto profundo. Outros ecossistemas que durariam um tempo assim de milhares de anos, o homem acelera tanto que eles vão se acabar em torno de centenas de anos. Então a gente acelera as coisas que existem no planeta. Então, nós estamos acelerando muito alguns ciclos. Isso leva à extinção de diversas espécies, que poderiam até estarem extintas a longo prazo, de milhões de anos. Nós fazemos isso em muito pouco tempo.”
Ele lembra que, no passado, houve vários ciclos de extinção em massa de espécies no planeta. “E quatro desses ciclos foram provocados por excesso de metano na atmosfera liberado pelo oceano na época. E isso levou à extinção de 90% das espécies vivas no planeta”. No entanto, dentro de seus ciclos naturais.
Tudo isso tem sido alertado por cientistas há muitos anos. O tempo agora parece estar se esgotando. Resta saber se as ações para reduzir o aquecimento global se darão antes que o ciclo dos recifes de corais e de outros ecossistemas se feche.
Texto: Valdirene Leão | Revisão: Bruno Martins