Em setembro, as famílias alagoanas enfrentaram um aumento preocupante no endividamento (2,9%) e na inadimplência (6%), conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) realizada pelo Instituto Fecomércio AL.
O CadaMinuto conversou com o economista Cícero Péricles, que explicou as causas do alto nível de endividamento e as consequências para a economia alagoana. Veja abaixo:
Quais fatores locais podem estar contribuindo para o aumento do endividamento e inadimplência em Alagoas, em contraste com a tendência nacional de queda nesses índices?
As oscilações mensais nas pesquisas de endividamento e de inadimplência não são tão significativas para de falar em crescimento ou queda expressiva de renda dos alagoanos. Os números das taxas das pessoas em atraso com instituições de crédito ou empresas comerciais são mais ou menos estáveis. O problema é que esse número estável é muito alto. Alagoas tem 1,2 milhão de famílias e dois terços estão endividadas ou inadimplentes. O endividamento, ou seja, a antecipação de receita seja pela tomada de empréstimo seja por compras parceladas, não é em si um problema, desde que ele seja planejado, dentro das condições para o pagamento regular. É positivo tanto para o setor de comércio e serviços, que consegue vender, como para o consumidor que antecipa a aquisição de um bem ou a prestação de um serviço. O problema é a incapacidade de pagar em dia o compromisso, que leva a inadimplência.
Como o aumento do superendividamento em Alagoas afeta a economia local? Quais são os impactos a curto e longo prazo para o comércio e a geração de empregos no estado?
O nível de endividamento – e superendividamento – afeta sempre a economia local por três razões fundamentais: diminui o consumo na medida em que o endividado reduz suas possibilidades de consumo, contribuindo para uma menor atividade nos setores de comércio e serviços, que representam 70% da economia estadual; segundo porque cria um ciclo negativo nas empresas, na medida em que elas diminuem as suas compras, reduzindo a renovação de estoques, afetando outros setores; e, terceiro contratam menos porque estes dois setores – serviços e comércio são os dois grandes empregadores, tanto no universo formal de trabalho, com carteira assinada, como no amplo setor informal.
Qual é a relação entre o aumento da inadimplência em Alagoas e o nível de renda das famílias no estado? Poderia esse aumento estar relacionado à inflação, à falta de acesso a crédito ou a outros fatores?
É um fenômeno nacional. A pressão cotidiana do consumo e os muitos apelos da propaganda, se unem com as relativas facilidades do acesso ao crédito, dificultando o controle financeiro por parte das famílias. Temos, em Alagoas, de um lado, mais de dez milhões de cartões de crédito, débito e de fidelidade das empresas circulando nas mãos e bolsos de dois milhões de “bancarizados”; do outro lado, temos 80% da população com renda de até dois salários mínimos, que limita muito o poder real de compra. No meio destes dois blocos, estão os muitos mecanismos de empréstimos financeiros, que já fazem parte do dia a dia da população, e outros tantos mecanismos facilitadores de vendas, como os prazos dilatados de pagamento e empréstimos quase sem garantias. Como as famílias têm demandas “reprimidas” há bastante tempo, estes mecanismos contribuem fortemente para o consumo sem planejamento e as compras por impulso.
Quais seriam as principais políticas públicas ou medidas que poderiam ser adotadas para mitigar o endividamento e a inadimplência das famílias em Alagoas?
A legislação brasileira já contempla, no caso do crédito consignado, um teto limite para os gastos com esse tipo de empréstimo que têm juros menores. O consignado é um mecanismo muito atrativo pela facilidade na tomada do empréstimo, pelas taxas de juros menores e prazos mais dilatados de pagamento. Muitas vezes aqueles que têm acesso a este canal financeiro, como funcionários públicos, previdenciários e empregados de empresas que têm contratos com instituições financeiras, facilitam as compras de familiares e de, em alguns casos, de conhecidos. Outro mecanismo de controle são as agências de acompanhamento do endividamento, como o SPC/Serasa, que colocam os inadimplentes na lista que é acessada pela rede comercial. Mas, mesmo assim, os gastos sem a cobertura devida são realizados. A melhor política pública continua sendo a educação financeira dos consumidores, com noções básicas de gastos, juros, parcelamento, necessidade real da compra, etc.
De que forma a inadimplência crescente pode impactar o setor de serviços e turismo em Alagoas, especialmente considerando que a economia do estado é fortemente baseada nesses setores?
O setor de serviços, assim como o do comércio, perde pela redução de suas vendas. O turismo não, porque, na sua ampla maioria, os turistas são visitantes, são pessoas que, normalmente, têm renda familiar para cobrir suas despesas. Em geral, esses deslocamentos são ações planejadas com antecedência e os gastos estão dentro do orçamento familiar. Viagem ou passeio não é um bem essencial.
Com o superendividamento se estabilizando, mas ainda em níveis altos, como as famílias podem se recuperar financeiramente e voltar a ter um consumo sustentável?
O programa Desenrola foi uma política pública bem sucedida cujo objetivo era o retorno de milhões de brasileiros endividados ou inadimplentes para o consumo regular. Para aqueles que ficaram de fora deste programa a saída ainda é a negociação direta com o credor, ou credores. Todas as instituições financeiras ou as empresas comerciais têm propostas de renegociação com seus clientes em atraso. Interessante seria que estas negociações contemplassem algum tipo de formação na área das finanças pessoais reduzindo as possibilidades de retorno desses clientes para as posições anteriores, o que é muito comum.