Braskem processa quem recusou indenização

A Braskem vem ajuizando dezenas de ações contra moradores e comerciantes que recusaram as ofertas de indenização dos imóveis localizados nos bairros atingidos pelo afundamento do solo em Maceió. O objetivo da petroquímica é que a Justiça resolva o impasse, estipulando o valor a ser pago na compensação financeira. A empresa argumenta que, sem acordo entre as partes, cabe à Justiça estabelecer os valores por meio de uma avaliação técnica.

As vítimas que recusaram as propostas feitas pela Braskem são minoria, já que 99% aceitam fechar o acordo com a mineradora, com o aval dos órgãos de fiscalização e controle. No entanto, essas pessoas assim procederam porque tinham que comprar outro lugar para morar, logo precisavam do dinheiro com urgência. Aqueles moradores que não concordaram com os valores oferecidos e recusaram o acordo, estão sendo processados, mesmo assim continuam resistindo às pressões.

Além de recusarem os valores oferecidos, os moradores insatisfeitos contestam as perícias disponibilizadas pela Justiça. Eles afirmam que os laudos estão calculando os imóveis com base no valor de mercado atual, desconsiderando a desvalorização causada pelo desastre ambiental. Além disso, dizem que se aceitassem o acordo estariam transferindo o imóvel para a Braskem como se fosse uma venda e não uma indenização.

“Essa é a verdadeira intenção da mineradora, torna-se dona de toda a área de risco, ameaçada pelo afundamento do solo. Para futuramente usufruir dessas propriedades e equipamentos, revalorizado com a possível estabilidade do solo”, observou um advogado que atua no caso e por isso mesmo pediu anonimato.

20 MIL PROPOSTAS

De acordo com reportagem do Portal UOL, no último levantamento feito pela Braskem, 19.164 propostas foram apresentadas aos moradores das áreas de desocupação. Desse total, 18.907 foram aceitas e 18.670 indenizações já pagas. Outros 46 casos aparecem sob avaliação das vítimas, enquanto 135 estão em reanálise, e 76 foram totalmente recusadas.

Com isso, a Braskem pede que a Justiça Federal, através de perícia e avaliação técnica, estabeleça qual o valor a ser pago para esses moradores contrários às propostas oferecidas pela empresa. As vítimas reclamam dos laudos, que têm desvalorizado os imóveis, além dos valores dos danos morais, fixados em apenas R$ 40 mil por família.

Os moradores também divergem da forma como a Braskem estabeleceu os valores de indenização dos danos morais sofridos – R$ 40 mil para toda a família, independentemente da quantidade de familiares. Eles defendem que haja uma avaliação individualizada desses danos, levando-se em consideração o número de integrantes da família.

Nesse sentido, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE), por meio do defensor público Ricardo Melro, deu entrada, há cerca de um mês, em uma nova Ação Civil Pública, na Justiça Federal, cobrando a revisão dos valores pagos e reclamando do tratamento dado pela Braskem aos danos morais.

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

Em nota, a Braskem afirma que o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) vem atuando de forma diligente para concluir, no menor tempo possível, o pagamento de indenização a todas as famílias que foram realocadas, de forma preventiva, das áreas de desocupação em Maceió.

“O morador que não concorda com a proposta pode solicitar reanálise ou o Parecer Técnico Independente, quando atendidos os critérios. Porém, para os casos em que não se chega a um consenso, o acordo firmado com as autoridades prevê que tanto o morador quanto a empresa podem recorrer à Justiça para que determine o valor da indenização de forma célere (liquidação de sentença)”, afirmou a mineradora.

“Vale destacar que o perito é indicado pelo Juízo, sem custos para o morador. Também é importante ressaltar que o PCF é de adesão voluntária, e os participantes são acompanhados por advogado de sua escolha ou por um defensor público”, completou a Braskem.

Apesar de dizer que o PCF é de adesão voluntária, mas a empresa ajuíza processo de liquidação para obrigar as vítimas a aderirem aos termos do acordo, o que acabaria por transferir a propriedade do imóvel para ela. Quem não aceita o acordo, em tese, estaria querendo receber apenas uma indenização pela interdição de sua casa ou comércio, mas sem ter que transferir o imóvel para a Braskem.

Moradora afirma que teve a sua casa depenada

A advogada Andréa Karla Cardoso Amaral, 55 anos, disse teve o imóvel totalmente depenado. Por isso, ela tem dificuldade para reconhecer a casa em que viveu durante 13 anos. Desde sua saída forçada da antiga residência, em novembro do ano passado, quando do colapso da Mina 18 da Braskem, furtos e depredações foram constantes. Para complicar, ferrugem e sujeira tomaram conta do imóvel.

Com o risco do desabamento da mina, Andréa e outros moradores que ainda viviam dentro da considerada “zona de risco” tiveram de deixar suas casas. O juiz Ângelo Cavalcanti Alves de Miranda, da 3ª Vara Federal de Alagoas, autorizou o uso de força policial em caso de resistência durante a desocupação dessa área que sofria com o risco de colapso.
Além de ter sido “expulsa de casa”, a advogada Andréa Karla está sendo processada pela mineradora, porque não aceitou receber uma “indenização irrisória” muito abaixo do valor da sua casa. Segundo ela, há informações de que pelo menos 250 ações judiciais estejam tramitando na Justiça Federal contra moradores que – a exemplo dela – se recusaram a assinar o acordo de indenização proposto pela Braskem.

“Entre essas pessoas, eu conheço o Cássio Araújo [coordenador do MUVB], que está na mesma situação que eu. Inclusive, incendiaram a casa dele no começo da semana. A minha casa foi toda quebrada no dia 29 de agosto, numa área fechada pela empresa. Entraram e quebraram a minha casa toda. Fiz o Boletim de Ocorrência, já tem denúncia no Ministério Público Federal. Não sei o que vão fazer, se vão apurar ou não, só sei que eu denunciei”, relatou.

“Com relação às ações, eu não estou dizendo que o procedimento da empresa é irregular. É regular, só que ela prega por aí que quer resolver a situação dos moradores. Portanto, isso é mais uma fake news da empresa, porque se ela quisesse resolver a situação do morador, ela teria pago ao morador o que a Justiça mandou pagar e não fazer retaliações, sem necessidade, afinal temos uma sentença de mérito já com o parecer do MPF e tudo”, argumentou a advogada.

Segundo ela, “o objetivo da empresa é pressionar o morador, para que o morador volte atrás e faça um acordo com a mineradora. Isso, no meu caso, não vai acontecer”.

“A Justiça entrou no caso, a pedido da empresa. A Justiça mandou um perito judicial avaliar os imóveis. Foram avaliados, tudo direitinho, através do perito já nomeado pelo juiz. Com base nisso, o juiz prolatou a sentença, em primeiro grau. A minha sentença saiu em agosto deste ano. Só que o juiz teve que mandar fazer a correção dos valores, que isso aí é de praxe, para atualizar as indenizações oferecidas”, explicou.

“A Braskem teve a chance de fechar o acordo comigo em três oportunidades, sempre colocando o valor muito abaixo do padrão. Essa sentença judicial [cujos valores foram revistos com base na perícia] pelo menos me dá condições de comprar uma nova casa, coisa que nenhum acordo da Braskem permitia”, completou Andréa.

O advogado Olavo Bastos, do escritório Dolf Advogados, esclarece que as partes não são obrigadas a aceitar a liquidação nos termos do acordo firmado na Ação Civil Pública (ACP), envolvendo a Braskem. “A legislação e a jurisprudência já são pacíficas ao afirmar que a existência de uma ação coletiva não impede o ajuizamento de ações individuais”, destacou.

“Dessa forma, quem deseja ser indenizado, mas não concorda com os termos do acordo, pode optar por processar a empresa de forma independente”, acrescentou. Em ambos os casos, são designados peritos para avaliar os prejuízos nos imóveis. A principal diferença é que, na liquidação prevista na ACP, a Braskem se torna proprietária dos imóveis afetados, conforme estipulado no acordo”, explicou o advogado.

“Isso significa que o morador que deseja manter a propriedade do imóvel deve recorrer à via judicial individual, onde a indenização pode ser aplicada em outras bases, sem a transferência obrigatória da propriedade”, concluiu Olavo Bastos.

Braskem nega pressão

Procurada pela reportagem da Tribuna Independente, a Braskem negou fazer pressão para os moradores vítimas da mineração aceitarem o acordo de compensação financeira, proposto por ela. Em nota, encaminhada por sua assessoria de comunicação em Maceió, a mineradora deu as seguintes explicações:

“A Braskem esclarece que o pedido judicial de Liquidação de Sentença não é uma forma de pressionar moradores a aceitarem os valores de indenização propostos pela empresa. Ao contrário, a medida, prevista em Termo de Acordo firmado com as autoridades, garante que o morador seja indenizado quando não houver acordo extrajudicial. A Justiça indica o perito e define o valor da indenização, sem custos para o morador.

Dentro do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), o morador pode solicitar reanálises da proposta ou o Parecer Técnico Independente, quando atendidos os critérios. Porém, para os casos em que não se chega a um consenso, tanto o morador quanto a empresa podem recorrer à Justiça para que determine o valor da indenização.

Também é importante ressaltar que o PCF é um programa de ingresso voluntário, e os participantes são necessariamente acompanhados por advogado de sua escolha ou por um defensor público. No fim do mês de agosto, o programa registrou 19.164 propostas de compensação financeira apresentadas (número equivalente a 99,9% do total previsto) e apenas 76 formalmente recusadas. No mesmo período, 18.670 indenizações foram pagas, ou 97,4% do total esperado. Os dados são públicos e compartilhados periodicamente com as autoridades”.

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