Se hoje o comércio de Arapiraca é o maior do interior de Alagoas, é por causa de empreendedores como Manoel Benedito da Silva, ou seu Neco Alfaiate, como é mais conhecido. Atualmente com 89 anos, ele ganhou fama na época em que não existiam lojas de roupas na cidade e acompanhou as mudanças na sociedade que provocaram transformações no modo de se vestir.
“Antigamente, o terno era uma roupa usada no dia a dia. A época exigia que todo mundo andasse arrumado para ser respeitado. Ninguém nunca iria imaginar que seria aceitável andar com a calça rasgada no joelho, como os jovens de hoje usam. Naquela época, todo mundo queria se vestir de forma elegante, era até uma forma de demonstrar respeito pelas outras pessoas”, afirma.
Manoel Benedito nasceu em 1935 na localidade conhecida como Anum Velho, município de Palmeira dos Índios. Aos 12 anos, veio morar em Arapiraca com a mãe, Antônia Sancha da Conceição, e logo depois começou a trabalhar de “alugado”, como eram chamados os trabalhadores rurais que prestavam serviços aos proprietários de terra naquela época.
Mas o sonho do jovem Neco era ser ator de cinema, ansioso por viver aventuras como as que ele assistia nos filmes de ação, e chegou mesmo a considerar ir para São Paulo em busca desse sonho. Dona Antônia não queria se afastar do filho caçula e se prontificou a ajudar o jovem, que não queria mais trabalhar nas roças de fumo.
“Ela disse que éramos só nós dois e se eu fosse embora, ela ficaria sozinha. Como eu não queria mais trabalhar de alugado, ela disse para eu procurar emprego na cidade. Ela possuía uma maquininha de costura, daquelas bem antigas, e me disse: ‘o que eu puder fazer nessa maquininha além de garantir a boia, eu te ajudo. Vá procurar um serviço na cidade para não precisar ir embora’. Nunca esqueci essas palavras”, relembra seu Neco.
Naquela época, trabalhar como alfaiate era o “auge” em Arapiraca. Como não existiam lojas de roupas, os arapiraquenses compravam cortes de tecidos e levavam para alfaiates e costureiras, que produziam as peças de modo artesanal, a partir das medidas e das preferências dos clientes. Bons alfaiates, que conseguiam fazer paletós, calças sociais e camisas de qualidade e caimento perfeitos, eram muito requisitados.
Neco sempre teve facilidade de fazer amizades e foi um desses amigos, Agnelo, que sabia que ele não queria trabalhar na roça, que ofereceu a alternativa de aprender o ofício de alfaiate. Mas, mesmo assim, o início não foi fácil. O jovem tinha 15 anos e morava com a mãe na localidade conhecida como Barriguda, hoje bairro Canaã, muito distante do Centro de Arapiraca, principalmente porque ele andava a pé e a maior parte do trajeto era caminho de terra.
“Ele me disse: ‘tenho uma coisa para você não ir embora. Se quiser aprender a costurar, a ser alfaiate, eu ensino, mas não posso dar nada’. Mas eu perguntei: não pode me dar nada? Eu moro distante, ando quatro quilômetros para estar aqui todos os dias. Ele disse que almoço não podia me dar, mas me dava duas bananas de manhã e, no dia que eu não quisesse ir para casa, podia dormir na alfaiataria, que ele me dava mais bananas”, relembra.
Em 1955, mesmo período em que se formou como alfaiate, Neco completou 18 anos e casou-se com Maria de Lourdes Silva (1934-2021), com quem teve dez filhos: José Willames da Silva, Wilma da Silva, José Cláudio da Silva, Cloves Tadeu da Silva, Cledijane da Silva, Wirleycarles da Silva, Wildevan da Silva, Carlos Eduardo da Silva, José Moacir da Silva (falecido) e Patrícia da Silva. No início, o jovem casal não tinha sequer onde morar.
“Quando fui casar, procurei a família para quem trabalhei como alugado, de José Emílio de Lima. Ele me deu 250 mirréis de pratos. O filho dele me deu um lugar para morar e não cobrou aluguel no primeiro ano”, relata. A primeira casa, localizada na Praça Bom Conselho, atualmente é o prédio comercial Nossa Senhora de Lourdes, nome dado em homenagem à esposa de Neco.
Algum tempo depois, recebeu a missão de continuar o serviço do mestre Agnelo, que resolveu ir embora para São Paulo. “Meu mestre disse: ‘você está pronto para fazer um terno sozinho. O presente que eu te dou é uma tesoura, uma régua e um balcãozinho velho para você cortar os panos. Eu vou embora e com isso aqui você pode começar a ganhar a vida’. E foi assim que me tornei alfaiate”, conta.
Dos primeiros meses do ofício, ainda inseguro de suas habilidades, não esquece um episódio que marcou para sempre como ato de amor e cumplicidade de dona Maria de Lourdes, que faleceu após 14 anos fazendo hemodiálise devido a uma doença renal.
“Naquela época, quando a mulher ganhava neném, tinha que passar o resguardo na cama, não podia levantar. Ela tinha ganhado nosso primeiro filho e eu trabalhava de alfaiate em casa mesmo. Chegou um rapaz na minha porta com três cortes de linho muito bom, coisa fina, que só quem era rico podia usar. Ele pediu para eu costurar três camisas, só que eu tinha prática de fazer paletó e calça, mas de camisa não. Eu disse isso para o rapaz e a minha esposa, que estava no quarto e ouviu toda a conversa, me chamou: ‘meu filho’, era assim que ela me chamava. ‘Diga a ele que eu corto as camisas’. Eu tirei as medidas, passei para ela, que, sem sair da cama, cortou e alinhavou as três camisas. Eu costurei e, quando o rapaz provou, ficou uma maravilha. Ele ficou muito satisfeito e eu nunca esqueci desse feito da minha mulher”, relembrou.
O trabalho foi prosperando até que seu Neco Alfaiate se tornou o mais conhecido e requisitado de Arapiraca. Os clientes se tornaram amigos e, dentro de pouco tempo, ele não conseguia mais dar conta das encomendas trabalhando sozinho. Sem ajuda e a partir do zero, ele levava um dia inteiro para confeccionar um terno, mas, após contratar outros alfaiates para trabalhar para ele, chegou a finalizar dez em um único dia.
Sempre de olho nas novidades, com a abertura das primeiras lojas de confecções que traziam peças de roupas produzidas no Sudeste e no Sul, diversificou os negócios e passou a comprar peças prontas para revender, enquanto continuava a fornecer os serviços de alfaiataria. Como já havia adquirido algumas máquinas e tinha pessoas trabalhando para ele, abriu a fábrica Confecção Silva, em 1973, com uma linha de produção inicialmente de roupas sociais masculinas.
A indústria fabril funcionava na Rua São João, próximo de onde fica hoje o supermercado Bella Compra. Para comportar o maquinário, os materiais, os trabalhadores e o estoque, o local passou por reformas e se tornou um prédio de três andares, que ficou pequeno para o tamanho da indústria, e ele precisou ainda alugar outros dois salões, que pertenciam ao empresário Benedito Ribeiro, no ápice dos negócios.
Seu Neco acompanhava o estilo de se vestir na época; primeiro, os ternos saíram de moda, embora o estilo das roupas fosse mais social, até que o jeans chegou e se tornou a roupa do homem trabalhador.
No período em que a Confecção Silva estava no auge, seu Neco vendia peças em Pernambuco e Sergipe, com a ajuda de vendedores externos, em pé de igualdade com fábricas de roupas daqueles estados.
“Por cinco anos, todas as peças que eu industrializava na fábrica iam para a cidade de Tobias Barreto, em Sergipe. Meu vendedor levava as peças para lá e vendia tudo. Recebia até carro como pagamento. Os carros da época: Chevette, Comodoro, Opala, eram trocados por quantidades de milhar de calças que a gente fazia. Depois chegou a indústria de Santa Cruz do Capibaribe e também Caruaru, viram que eu estava bem, começaram a competir comigo e conseguiram me derrubar um tempo depois”, explica.
A peça de maior saída na época era a calça jeans, que passava por um processo de lavagem para ficar mais macia e com uma cor diferenciada. Como a Confecção Silva não dispunha da máquina para fazer esse processo, produzia o jeans bruto, sem lavagem, e levava a produção para passar pelo processo em Recife (PE). O aumento nos custos da produção e a concorrência – desleal em alguns momentos – fizeram com que seu Neco tomasse a difícil decisão de se afastar dos negócios.
“Chegou o momento em que eu não aguentava mais. Trabalhar com comércio exige coragem e poder aquisitivo para investir. E para a indústria crescer na minha mão estava difícil. Eu tinha 89 máquinas na época, vendi uma parte para pagar as contas da fábrica e dividi o que sobrou para os meus filhos Tadeu e Wirleycarles. Falei para eles que se resolvessem seguir nesse tipo de comércio, não iria dar para ficar rico, mas com coragem e disposição, é suficiente para trabalhar e não deixar faltar nada para a família, do mesmo jeito que criei todos eles”, conta.
A Confecção Silva chegou ao fim, mas deu lugar à Fiska Sports, que até hoje é administrada por Tadeu da Silva. A Fiska, que já tem mais de 30 anos de mercado, se especializou na fabricação de fardamentos e materiais esportivos.
Após toda essa jornada, seu Neco chega aos 89 anos com muitos amigos e com tanta lucidez e saúde que ainda ouve propostas para confeccionar ternos sob medida, como fazia há quase 70 anos. Mas ele diz que, atualmente, com as tecnologias atuais da indústria fabril, a produção artesanal não tem mais espaço no mercado.
“Antigamente a gente pegava um tecido e costurava o terno do zero, a partir das medidas do cliente. Hoje as pessoas vão à loja e compram um terno por R$ 300, que não vai ter o mesmo caimento de um que é feito sob medida, mas os tempos de hoje são bem menos exigentes do que quando comecei. A maioria dos homens hoje só usa terno em casamento, e só se forem o noivo ou padrinho. É por conta disso que a alfaiataria está praticamente extinta. Mas, graças a ela, minha vida é uma maravilha. Sustentei minha família, criei meus filhos e cada um escolheu o seu caminho. Hoje eu tenho 25 netos e 14 bisnetos que me dão muita força para viver. Do que eu poderia reclamar? Eu tenho orgulho da minha vida”, conclui seu Neco.
Fonte : Sindilojas Arapiraca