O uso da Inteligência Artificial no Poder Judiciário foi tema de uma palestra proferida pelo ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STF), na manhã da última quinta-feira (12). O jurista alagoano defendeu a utilização ética de ferramentas tecnológicas e inovadoras como auxiliadoras do sistema nacional da Justiça.
Como convidado, ele participou, de forma remota, do projeto Diálogos Jurídicos de 2025, promovido pela Escola Nacional de Advocacia Pública (Esnap) da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape).
Martins iniciou destacou a crescente presença das novas tecnologias na sociedade, enfatizando o impacto da ascensão da IA em todos os setores, incluindo o Judiciário. Ele ressaltou que a introdução dessa ferramenta nos processos judiciais tem gerado tanto críticas quanto elogios, demandando uma reflexão cuidadosa sobre seus impactos e diretrizes para seu uso ético.
Ele ressaltou que a implementação de IA no Poder Judiciário brasileiro segue diretrizes rigorosas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em várias resoluções que orientam a ética e a governança dessas ferramentas.
“As resoluções CNJ nº 331/2020, 332/2020 e 325/2020, por exemplo, fornecem a base para a integração da IA no sistema judicial, com foco na transparência, auditoria e garantia de imparcialidade nas decisões”, frisou.
De acordo com o ministro, a Resolução CNJ nº 332/2020, em particular, deixa claro que a IA deve ser aplicada de maneira compatível com os direitos fundamentais e que as decisões judiciais apoiadas por essa tecnologia devem respeitar a igualdade, a não discriminação e o julgamento justo.
Ele também lembrou que essas diretrizes estão alinhadas com os princípios internacionais definidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com a participação de 42 países, incluindo o Brasil.
Avanço nos tribunais
Humberto Martins também abordou os avanços tecnológicos nos tribunais superiores, destacando os projetos de IA lançados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo STJ. O STF, por exemplo, começou a implementar a ferramenta VICTOR em 2018 para leitura de recursos e sua vinculação a temas de repercussão geral.
O STJ, por sua vez, desenvolveu o sistema SÓCRATES para automatizar a análise de recursos e elaborar propostas de decisão com base em precedentes.
“Em 2024, o STF deu um passo significativo ao lançar a ferramenta MARIA, um sistema de IA generativa para auxiliar na produção de textos jurídicos, como resumos de votos e relatórios processuais. O STJ lançou o STJ LOGOS, uma ferramenta capaz de analisar agravos em recurso especial, identificando óbices processuais e sugerindo jurisprudência relevante. Esses avanços, de acordo com Martins, são fundamentais para aumentar a eficiência na análise de processos e proporcionar maior agilidade ao sistema judiciário”, reforçou.
Embora as inovações tecnológicas tragam benefícios para o sistema de justiça, Martins alertou sobre os desafios éticos e a necessidade de uma regulamentação clara.
Ele mencionou a criação de um Comitê Nacional de Inteligência Artificial, que tem como objetivo monitorar e atualizar as diretrizes de uso da tecnologia nos tribunais, garantindo governança digital e conformidade com padrões internacionais.
A utilização de IA em processos eleitorais também foi abordada, com o ministro destacando a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que editou a Resolução nº 23.732/2024 para regulamentar o uso de IA na propaganda eleitoral, garantindo a integridade e a transparência do processo eleitoral. Martins enfatizou a importância de evitar práticas como deep fakes e o uso de chatbots, que possam manipular a opinião pública de maneira injusta.
Por fim, ele destacou que a IA no Judiciário é mais do que uma simples ferramenta de automação; ela é um auxílio técnico essencial para melhorar a eficiência da justiça. “A IA, se bem utilizada e regulamentada, pode transformar o sistema judiciário brasileiro, garantindo maior acesso à justiça e promovendo uma justiça substancial e procedimental”, ressaltou.
Para Martins, o “uso de IA deve ser sempre orientado pela dignidade humana, pela ética e pela transparência, a fim de assegurar que a tecnologia não prejudique os direitos fundamentais dos cidadãos”.
Ele ainda fez referência ao Projeto de Lei nº 2.338/2023, que visa estabelecer normas gerais para o uso responsável de IA no Brasil, ressaltando que o equilíbrio entre inovação e proteção dos direitos fundamentais será fundamental para o futuro da tecnologia no país.
“Em linhas sintéticas, cabe considerar que a solução para um melhor desempenho, seja sob o prisma da eficiência, seja sob o prisma da melhor outorga dos valores da justiça substantiva e procedimental, é o uso das aplicações de inteligência artificial como mais um meio de auxílio técnico ao trabalho do Sistema de Justiça, orientado, no entanto, pela dignidade da pessoa humana, pela proteção dos direitos humanos, pela ética e pela transparência. Do mesmo modo, as ferramentas de inteligência artificial podem ser empregadas na propaganda política, desde que observadas balizas que assegurem a igualdade de oportunidade e o equilíbrio do processo eleitoral”, concluiu.