A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) alterou significativamente a forma como usuários devem agir diante da negativa dos planos de saúde para algum procedimento. A partir de agora, estão sendo impostos critérios mais rígidos para que tratamentos fora do rol tenham a cobertura desejada e indicada pelos profissionais médicos.
De acordo com o advogado Victor Ferreira, presidente da Comissão de Direito Médico da 3ª Subseção e membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/AL, o STF definiu que a cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS só será obrigatória quando todos os cinco critérios estabelecidos forem cumpridos simultaneamente. São eles: prescrição médica, ausência de alternativa terapêutica equivalente, comprovação científica robusta, registro na Anvisa e inexistência de pendência junto à ANS.
“O rol passa de parâmetro mínimo a critério de bloqueio, salvo exceções devidamente justificadas. Isso aumenta o desafio jurídico e exige que o advogado entenda o mínimo de medicina baseada em evidências”, afirma Victor.
O modelo adotado pelo Supremo ficou conhecido como ‘rol taxativo mitigado’. Na prática, o rol é considerado excludente, mas admite exceções em casos muito específicos, desde que todos os requisitos sejam atendidos. “O STF adotou um rigor maior do que o antigo entendimento do STJ, que permitia exceções com menor exigência de prova técnica. Agora, há uma presunção regulatória mais forte e uma atuação mais cautelosa do Judiciário”, afirma o advogado.
Ele destaca que a decisão não elimina a responsabilidade dos planos, mas redefine como ela pode ser cobrada judicialmente. “Não basta apresentar a prescrição médica e alegar omissão da ANS. É preciso demonstrar, com base técnica, que todos os requisitos estão presentes”, esclarece. A mudança, segundo ele, torna indispensável a produção de provas robustas e fundamentadas, tanto para o ajuizamento quanto para a manutenção de decisões liminares.
Em relação a liminares já concedidas, o advogado alerta para o risco de revisão judicial. “Há risco real de reavaliação de liminares que não observem os parâmetros do STF, já que a decisão tem efeito vinculante. Para diminuir esses riscos, é essencial atualizar laudos, comprovar inexistência de alternativas no rol, demonstrar registro na Anvisa e consultar pareceres técnicos do NATJUS”, orienta.
O impacto é ainda mais sensível para pacientes com doenças raras e ultra raras, que frequentemente dependem de terapias fora do rol. O representante da OAB/AL explica que essas condições dificilmente conseguem produzir os ensaios clínicos exigidos pela medicina baseada em evidências. “Como muitas dessas doenças atingem menos de cem pessoas, é quase impossível concluir estudos randomizados. Isso dificulta o enquadramento nos critérios do STF e pode inviabilizar tratamentos experimentais ou personalizados”, diz.
Embora o Supremo reconheça a importância da ciência e dos tratamentos individualizados, o advogado observa que a exigência de alto nível de evidência acaba criando, na prática, uma barreira. “Os tratamentos personalizados nem sempre têm comprovação em larga escala, mas podem ser eficazes para aquele paciente específico. O problema é que o tempo da ciência não é o mesmo de quem precisa do tratamento hoje”, avalia.
Mesmo diante do cenário mais restritivo, Victor reforça que os pacientes não estão desamparados. O Código de Defesa do Consumidor continua válido e pode ser invocado, desde que os critérios técnicos também sejam atendidos. “O CDC permanece como baliza de proteção, mas atua de forma complementar”, diz.
Para ele, a principal estratégia agora é fortalecer a base técnica das ações. Para isso, os usuários devem reunir laudos, pareceres e literatura médica atualizada, além de exigir fundamentação específica nas negativas. Além disso, quando necessário ingressar com uma ação, é fundamental a contratação de um advogado ou advogada especialista no assunto.