A velha cidade

Amo intensamente duas cidades, Porto Calvo e Arapiraca. Na velha cidade, palco da invasão holandesa, onde Zumbi se criou e Calabar nasceu, ali também recebi o milagre da vida, vivi uma infância feliz, percorri seus morrros, frequentei suas igrejas, aprendi a nadar e fui desvirginado. Quando vou lá encontro a paz que preciso e a quietude que tanto quero.

Porto Calvo me faz lembrar a luta de um povo e a história de uma nação. Lá, na minha querida cidade, na
beleza da infância, aprendi a ter fé, propósito de vida, a amar o próximo e respeitar a natureza. Aprendi, também, que a infância é a fase mais pura da vida onde inexiste interesse. Em Arapiraca, cidade forjada no trabalho, onde seu povo acredita no futuro, aprendi que, no caminhar da existência, o desânimo e as preocupações devem ser superados com entusiasmo fé. A cidade me encanta pelo cheiro do fumo que
exala, como também pelo entusiasmo do povo cheio de energia e esperança. Manoel André, o fundador da cidade, e Esperidião Rodrigues, o emancipador do município, são lembranças perenes na memória do povo, realizando o presente e acreditando no futuro. Cidade de encantos mil e energia vibrante.

Na última visita que fiz a Porto Calvo, semana passada, após visitar no Ministério Público o colega Rodrigo, conversa descontraída e saudável, fui à igreja matriz sentir a saudade, rezar um pouco, esquecer as agruras da vida, e perceber a presença de Deus. Sé inaugurada em Calabar lá se escondeu até ser entregue aos portugueses para tortura e morte. Igreja cheia de lendas e mistérios. Quantos pecados ali
confessei, quantos perdões ali pedi e quanto de fé ali readquiri.

Saí da igreja e fui à prefeitura, em agenda previamente marcada e, no gabinete da prefeita, em ambiente sobriamente decorado, falamos do ontem, história de um povo; dos filhos ilustres que honraram esta terra; do hoje e do amanhã.
Participaram da conversa os secretários Ana e Junior, pessoas simpáticas e competentes. Me fiz acompanhar do Ney, meu irmão, e de André, meu amigo de Arapiraca. Falamos, sobretudo, da cultura e da grandeza da cidade.
Porto Calvo, para mim, é saudade, é lembrar o ontem, com doçura e apego; é recordar o menino que fui, indócil, inquieto e travesso; da escola que frequentei; do rio que nadei; da rua que morei; da casa de seus avós, da padaria do meu avô; das estórias que ouvi; dos carnavais; da feira livre; do Toinho doido, com sua metralhadora giratória; do Seu Flor, alfaiate esquisito; do Cirô, técnico e dono da bola e cheio de paixão pelo time da terra; da loja de Seu Carminho, do Zé Miné, do Zeca Prado. São lembranças fortes que trazem doçura e saudade. Porto Calvo não sai de mim, não a esqueço. Em cada prédio, uma lembrança; em cada rua, uma lembrança; em cada conversa, um sentimento de alegria e nostalgia.
A velha Porto Calvo, com suas lendas,
ladeiras e heróis; com suas igrejas, que lembram um povo cheio de fé; com seu mártir, herói ou mito, Calabar; com seus becos e ruas estreitas; com Guedes de Miranda, maior orador de Alagoas; com Zumbi, herói da liberdade de um povo e de uma nação, precisa ser cantada em prosa e verso nas escolas, nos teatros e na rua, fazendo ressurgir na memória das crianças a história viva que orgulha um povo e é exemplo para o Brasil.
A visita à velha cidade me fez renovar o sentimento de amor por esta terra e esta gente. A velha Porto Calvo me faz lembrar de cultura, de arte, de literatura tema da conversa com a prefeita; me faz sonhar com teatro, com canto, com o poema de Lêdo Ivo, Calabar, sendo declamado em praça; com os holandeses querendo tomar a cidade; a lembrança me me fez ressurgir Bárbara, em canto de Chico Buarque, invocando a mulher do cafuzo Calabar, em melodia erótica e poética, sonhando com liberdade e heroísmo.
Esta cidade me entorpece de amor e de saudade.

Artigo escrito por Geraldo Magela Pirauá ( Procurador de Justiça aposentado e escritor )

Compartilhe: