A arte de Gleyson Borges (A coisa ficou preta) não pede permissão. Ela se impõe, ocupa espaços, questiona e transforma. Desde 2018, quando suas frases estampadas em muros de Maceió começaram a surgir, o artista alagoano tem se consolidado como uma das vozes mais relevantes do Brasil contemporâneo. Agora, sua trajetória ganha uma nova dimensão: ele representará o país na exposição Brincar Entre Atlânticos, em Cairo, Egito, levando a potência do afrofuturismo brasileiro para um diálogo internacional.
O evento, que ocorre entre fevereiro e março dentro do festival Something Else, coloca Borges ao lado de artistas consagrados como Diogo Rustoff e Gê Viana, sob curadoria do Instituto Lambes Brasil. A mostra propõe um entrelaçamento entre arte, magia e ritual, explorando a negritude em suas mais diversas camadas.
A obra apresentada por Borges é uma releitura de Felicidade Pintada, trabalho que celebra a vida das pessoas pretas e a luta antirracista. “Nossos momentos de felicidade são também momentos de resistência. Felicidade para o povo preto é conquista. A cada dia que vivemos e sorrimos, estamos nos afirmando”, reflete o artista.
“A arte negra muitas vezes é reduzida a luta, batalhas, sofrimento, e isso é sim uma presença constante no nosso dia a dia, mas não podemos nos limitar a isso. Mais do que sobreviver, é preciso viver, e essa obra traz um pouco disso, da efemeridade dos momentos felizes”, complementa.
Gleyson Borges iniciou sua trajetória no design publicitário, mas foi na arte urbana que encontrou seu verdadeiro caminho. O lambe-lambe, técnica de colagem de pôsteres em espaços urbanos, tornou-se sua ferramenta de expressão e empoderamento. Seu projeto A coisa ficou preta invadiu as ruas de Maceió com mensagens afirmativas, evocando memórias ancestrais e ressignificando o olhar sobre a negritude.
“Quando comecei, não imaginava a potência que isso teria. Mas vi que cada lambe era um espelho para pessoas negras que talvez nunca tivessem se enxergado dessa forma antes. Vi a força da arte como ferramenta de transformação”, contou Borges em uma entrevista à Gazeta.
Com trabalhos expostos no Centro Cultural São Paulo (CCSP) e na Universidade de São Paulo (USP), ele ampliou seu alcance para além dos muros urbanos. Hoje, sua produção também reverbera nas redes sociais, onde soma quase 55 mil seguidores. “Às vezes, a reação na rua é discreta, quase imperceptível. Mas no digital, tudo ecoa. Recebo depoimentos de pessoas que se enxergam na minha arte, e isso me faz seguir”, disse.
Além da provocação estética, a obra de Borges é um ato político. Seu trabalho dialoga com questões de identidade, pertencimento e resistência. Ele acredita que provocar reações — sejam de empoderamento ou de incômodo — é parte essencial do seu ofício. “Se minha arte incomoda alguém, significa que estou no caminho certo. O lambe-lambe é efêmero, mas sua mensagem, não. Já vi trabalhos meus resistirem por anos, enquanto outros são arrancados em poucas horas. Ambos têm valor”, afirmou.
A curadora Mônica Hirano, responsável pela seleção dos artistas brasileiros para Brincar Entre Atlânticos, destaca que a exposição busca fortalecer a ligação cultural entre o Brasil, a África e o Oriente Médio.
A importância do lambe-lambe como expressão artística no Brasil é outro ponto destacado com a seleção do alagoano para o evento internacional. Criado em 2016, o Instituto Lambes Brasil tem trabalhado para consolidar essa linguagem no cenário das artes visuais e ampliar sua visibilidade ao redor do mundo.
Para acompanhar o artista, basta segui-lo em seu perfil no Instagram: @acoisaficoupreta.