“Maria Helena está conseguindo fazer várias coisas que não conseguia antes. Ela consegue ficar de joelhos por mais tempo e até ficar de pé, algo que não fazia mais. A expectativa é de uma vida longa e cheia de saúde”, comemora Dayze Kelly, mãe da pequena de dois anos, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 2, que há um mês recebeu a dose do Zolgensma, considerado o remédio mais caro do mundo, com custo de cerca de R$ 7,6 milhões. Em Alagoas, apenas dois pacientes receberam o medicamento, conforme o Ministério da Saúde.
Maria Helena, seus pais e sua irmã mais nova são de Cajueiro, interior de Alagoas. Em 12 de setembro de 2023, Helena foi diagnosticada com a doença rara e degenerativa que impede a produção de uma proteína essencial para os neurônios motores, afetando funções vitais como respirar, engolir e se mover. A doença varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao tipo 4 (segunda ou terceira década de vida), conforme a gravidade e a idade dos primeiros sintomas, sendo necessário o tratamento o mais precocemente possível.
Após o diagnóstico, Maria Helena recebeu tratamento paliativo com cinco doses do Spinraza, que, embora não seja tão caro quanto o Zolgensma, custa cerca de R$ 320 mil por dose. O medicamento é registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2017 e fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tratando todos os tipos de AME.
No entanto, esse tratamento não foi suficiente para Maria Helena. Sua neuropediatra na época, Dra. Valéria Nogueira, do Hospital da Criança, em Maceió, explicou a necessidade de avançar para um tratamento mais eficaz: a terapia gênica de dose única, considerada o remédio mais caro do mundo, que não apenas trata os efeitos da doença, mas também substitui o gene defeituoso, permitindo que a criança se cure completamente e leve uma vida normal.
Foi assim que a família de Maria Helena iniciou uma verdadeira via-crúcis para conseguir o remédio e frear a doença. “Não foi fácil receber o diagnóstico e a informação de um tratamento com um remédio tão caro, o que deixou nossa família muito abalada. Porém, não perdemos a fé”, conta Dayze.
Os pais, familiares e amigos iniciaram uma vaquinha para arrecadar o valor do medicamento. Devido ao custo elevado, mesmo com toda a solidariedade, as doações não alcançaram o valor necessário. Sendo assim, a família recorreu à Justiça Federal e, entre idas e vindas, finalmente o Zolgensma foi comprado pela União e aplicado em Helena no dia 8 de julho, em um hospital no Recife. Para os demais gastos, o Governo de Alagoas se prontificou a arcar.
Maria Helena também tem um perfil nas redes sociais (@ame.helena), com 14 mil seguidores, monitorado pelos pais da pequena. Na rede social, a família mostra a rotina de Helena, sua evolução, além de fazer campanhas para arrecadar dinheiro para os demais tratamentos da criança.
“Uso as redes sociais para mostrar o dia a dia e a nossa luta. Temos uma vaquinha e rifas para nos ajudar com os custos do tratamento, pois são caros e tivemos que deixar de trabalhar para nos dedicar à saúde e bem-estar da nossa filha. A rotina dela é bem comum; a estimulamos desde a hora em que acorda até quando dorme, tornando tudo uma brincadeira. Todos os meses, ela tem uma rotina em Recife, no Hospital Rarus, com sua equipe médica e a neuropediatra, Dra. Vanessa Van der Liner”, explica Dayze.
Doenças raras exigem remédios ‘raros’ e caros. Por quê?
O presidente da Sociedade Alagoana de Pediatria, Dr. Marcos Gonçalves, explicou que o Zolgensma é um dos medicamentos mais recentes em termos de tecnologia e biotecnologia. Marcos ainda explica que a AME é uma doença na qual o paciente não produz a proteína responsável pela sobrevivência do neurônio.
“Com a morte desse neurônio, a pessoa deixa de se movimentar. O neurônio é um tipo de célula, um tipo de tecido no nosso organismo onde não há regeneração. Após a morte do neurônio, não há como reaver esse neurônio que acabou de morrer. Por isso, é importante tratar esse tipo de doença o mais precocemente possível”, explica.
“Na AME, com a ausência dessa proteína que faz com que haja sobrevivência do neurônio, o Zolgensma funciona justamente na substituição dessa proteína. O paciente com amiotrofia espinhal nasce com essa deficiência na produção dessa proteína. E aí há um defeito no gene. No nosso DNA, há um gene responsável por produzir essa proteína. Em pacientes com AME, há uma mutação nesse gene que resulta em uma proteína defeituosa. Como não há produção adequada dessa proteína, o neurônio acaba morrendo”, continua o médico.
Marcos também explica por que o medicamento, administrado por perfusão intravenosa, tem um valor tão elevado. “Ele é o único medicamento existente hoje, na nossa Medicina, no mundo, que utiliza essa tecnologia para inserir um gene defeituoso que o paciente não conseguiria produzir por conta própria. Não existe nenhum medicamento que se compare a esse. É uma tecnologia que requer muito investimento para ser realizada e fabricada, tornando-o realmente muito caro.”
O Zolgensma obteve registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e foi incorporado ao SUS em 2022, além de ter sido incluído no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Atualmente, o Ministério da Saúde oferece o Zolgensma apenas mediante ordem judicial, seguida de instrução da Advocacia-Geral da União.
“A terapia gênica (onasemnogeno abeparvovec) foi incorporada por meio da Portaria SCTIE/MS nº 172, de 06/12/2022, para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) Tipo 1, indicando o tratamento para pacientes pediátricos de até 6 meses de idade que não necessitem de ventilação invasiva por mais de 16 horas diárias. Para que o medicamento seja fornecido à população, é necessária a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e a formalização de um Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR), que está em fase de pactuação”, informa o Ministério da Saúde em nota enviada à Gazeta.
A nota acrescenta que o medicamento foi fornecido para dois pacientes do estado, conforme determinação judicial, ressaltando que, para o cumprimento de decisões judiciais, é necessário o comunicado da Advocacia-Geral da União. “Até o momento, não foram recebidas nesta pasta outras ações judiciais para o fornecimento deste medicamento no referido estado”, diz outro trecho da nota.
Por via administrativa, o SUS disponibiliza as tecnologias nusinersena e risdiplam, indicadas para o tratamento medicamentoso específico da AME Tipos 1 e 2, conforme finaliza o Ministério da Saúde.